sexta-feira, 20 de novembro de 2015

ALFABETIZAÇÃO COMO EXERCICIO DA CIDADANIA-PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO


Enquadramento Global: Contribuição do FORDU na Educação de adultos como exercício de direitos dos povos.

EXPERIENCIA E VISÃO DO FORDU NO QUADRO DA ALFABETIZAÇÃO COM METODOLOGIAS MODERNAS EM ANGOLA

1.    Analise das metodologias de alfabetização existentes em Angola

O processo de alfabetização angolana foi desencadeado em 1978 dois anos depois da Independência. Enquadrada no contexto do momento, a alfabetização estava ancorada nas prioridades políticas de então. O seu currículo visava sensibilizar, através da alfabetização, o povo a aceitar o modelo politico-ideológico de opção marxista-leninista de então, cujo lema era “O professor é o combatente da linha da frente, para acabar com obscurantismo e criar um homem novo”. A metodologia era expositiva, catequética e  memorística de carácter tradicional. Depreendido do método adoptado, conforme o seu lema, o centro de ensino, de processo e de liderança é o próprio professor, que prepara os conteúdos para os alunos obedientes, mansos e silenciosos estes alunos escutam atentamente a exposição (método expositivo) do professor que discursa sem ser interrompido. Os alunos recitando os trechos dos livros repetindo o que lê o professor, produzindo eco na sua memória-gravador (método catequético) e materialmente ruminam as palavras e gravam-nas em memória para depois manifestar aprendizagem gravada de forma acrítica e muitas vezes sem compreender.

1.1-Locais, conteúdos e sistema de aprendizagem

A Alfabetização era de carácter itinerante. Os soldados eram ensinados em seus locais de concentração (quartéis) os agentes da polícia eram ensinados nas esquadras. O conteúdo era fundamentalmente a educação politica inserida nos manuais de leituras (apenas em língua portuguesa) e nas ciências integradas que permitia que a educação colonial fosse substituída pela educação patriótica, substituindo os nomes e termos do colono por nomes e termos nacionais e sobretudo dos heróis da luta contra o colono e das figuras do comunismo internacional. Manifestamente aprendia-se o código de leitura, de escrita e de cálculo aritmético, desligado do contexto e da realidade onde se processava a educação.

1.2-Sistemas de avaliação

A avaliação se baseou no grau de assimilação das palavras (memorizadas) e reproduzidas materialmente através de provas escritas. O aluno não estudava para aprender, mas sim para aprovar. Todo o ano lectivo é transformado em ritual de esperar o exame. A pauta se torna uma espécie de céu, ou inferno ou purgatório. Assim todo o estudo tem por meta última a pauta do exame escrito. Então concebia de forma rudimentar um guia de estudo com perguntas de provas simuladas e da memória preenchia as respostas materiais em forma de lacunas. Terminado o ciclo de provas, os conteúdos ficam abandonados e esquecidos. É assim que mais da metade das pessoas alfabetizadas depois da independência voltaram ao analfabetismo depois de alguns anos sem exercitar a memória-gravador

2.    Analise dos currículos que suportam a educação

Devido a multiplicidade de línguas e etnias em Angola, e para que a escola vivenciasse o contexto do aluno, do professor e da família, teria que adotar o currículo nacional. Porém, em Angola, devido aos imperativos políticos de construção de consenso de Nação, usa-se o currículo oficial, aquele adotado pelo Estado como aqui os caracterizamos
:

CURRICULUM NACIONAL
CURRICULUM OFICIAL
Assegurar o acesso de todos os alunos aos  conteúdos amplos e equilibrados para um desenvolvimento flexível e adaptado à mudança rápida;
Representa as preferências e os valores dos grupos sociais dominantes
Estabelecer objectivos da sua educação obrigatória e acessível a todos os alunos, quaisquer que sejam as suas capacidades;
Não respeita o pluralismo cultural apanágio das sociedades democráticas modernas nem a realidade da comunidade onde a escola está
Assegura que todos os alunos independentemente das suas origens étnicas, sexo, local de residência e outras características individuais e sociais, possam seguir um currículo basicamente similar, relevante, vinculado à experiencia pessoal e valiosa para a vida adulta;
Centralização e burocratização das decisões educativas que se afastam das necessidades reais dos alunos e da comunidade escolar no seu todo (a escola não fala a língua dos alunos)
Assegurar a progressão, a coerência, e a continuidade no decorrer da educação obrigatória
Opõe-se ao direito dos alunos seleccionarem actividades e conteúdos de aprendizagem de acordo com as suas motivações e interesses
Assegurar que os currículos ministrados em todos os estabelecimentos de ensino possuam elementos comuns suficientes para permitir que os alunos mudem de estabelecimento de ensino sem sofrerem desajustes desnecessários
Determina o que todos os alunos devem aprender sem distinção sem ter em conta a diversidade de capacidades, interesses e motivações dos alunos
 Avalia o progresso realizado pelos alunos nos sucessivos níveis de escolaridade obrigatória com o fim de exigir mais aos que podem avançar mais e proporcionar mais ajuda pedagógica aos que dela necessitam.
Anula a autonomia e a iniciativa profissional dos docentes, que se convertem em simples executores de um plano previamente estabelecido
A educação finca raízes na vivência, nos usos, nos costumes, nas necessidades, nas expectativas dos alunos e famílias. A educação se baseia nas causas dos problemas em todos os sentidos e constrói caminhos e meios para os erradicar.
A educação se torna um facto de exclusão social, um factor de alienação cultural e um factor de definição de estrutura de classes.

 

3.    Analise das metodologias alternativas de alfabetização em Angola

3.1-Programa de alfabetização melhor adequado à realidade da comunidade.

Os dados provisórios do último senso (2014) revelam que angola tem aproximadamente 24 milhões e 700 mil habitantes. Dessa população, 56% vive na zona urbana e 44% nas zonas rurais. 50% Tem menos de 15 anos de idade e 60% menos de 18 anos de idade. 53% são mulheres.  Os dados oficiais apontam para 51% de Angolanos analfabetos. Porém, a nível das zonas rurais e do interior do País 69% São analfabetos e quase 80% são analfabetos funcionais. Dessa cifra 77% são mulheres.  Está em curso em Angola várias pequeninas iniciativas das igrejas e ONG’s na alfabetização com destaque para uma Associação de Ensino de Adulto de Angola (AEAA) que apenas actua numa província do Kwanza-Sul que fica em 3 horas de Luanda. A DW (Development Workshop) possuía um programa de alfabetização que fechou por falta de financiamento, na província do Huambo. A PROMAICA-Promoção da Mulher na Igreja Católica, possui igualmente um programa de alfabetização no Bié. Existem iniciativas dispersas, esporádicas sem certificação. Essas são dinamizadas por redes de ONG’s pequenas, cujo impacto é quase invisível no geral.

Em Angola através do Governo, tutelado pelo Ministério da Educação, existe o programa de abrangência total do território angolano: este projecto chama-se PAAE-PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO E ACELERAÇÃO ESCOLAR. É implementado nas 18 províncias, nos 166 municípios mas não atingiu todas as 557 comunas de Angola. Este programa tem contribuído desde 2009 a diminuir o índice de analfabetismo.

A nível de todo o País estão concebidos três módulos:

 

1º Módulo está destinado para a primeira e segundas classes

2º Módulo está destinado para terceira e quarta classe.

3º Módulo está reservado para as quintas e sextas classes

 

Estes três módulos são para a alfabetização e pós alfabetização

Em cooperação com CUBA, o Governo angolano lançou há 4 anos atrás a fase piloto apenas em 2 bairros de Luanda, um método de alfabetização denominado “sim, eu posso” através da combinação de cartilhas (uma para o educador e outra do aluno) e vídeo aulas. Mas os vídeos aulas são quase inaplicáveis devido à falta de energia elétrica que é um problema grande em Angola. Essa metodologia Cubana, que está na fase de tentativa de adaptação em Angola, é composto por três etapas:

·         A primeira de treinamento (dez aulas),

·         A segunda de ensino da escrita e leitura (42 aulas)

·         A terceira de consolidação (11 lições).

·                    A maior dificuldade é a qualidade e quantidade de professores alfabetizadores. Neste momento existem alfabetizadores aproximadamente 25.000 em todo território nacional para atender uma demanda de mais de 11 milhões de pessoas analfabetas que querem estudar. Assim, tem havido uma rede de voluntários que recebem um subsídio mensal de aproximadamente 200 USD, como contribuição dos alfabetizando. Não existe praticamente infraestruturas escolares especificamente destinadas para alfabetização. Não existe materiais didácticos em quantidade e em qualidade bem como outros meios de apoio pedagógico. A geografia humana de Angola é dispersa, sem vias de acesso, e a alfabetização apenas ocorre nos centros de municípios e províncias. As zonas mais afastadas das cidades possuem maior índice de analfabetos devido ao difícil acesso. Existe várias etnias incluindo etnias minoritárias mas a alfabetização não veicula qualquer valor étnico-cultural ou identidade socio antropológica dos povos de Angola. A alfabetização em curso em Angola está focalizada na aprendizagem da leitura, cálculo e escrita, de forma puramente literária. Não existe qualquer iniciativa de aliar a alfabetização com a cidadania, com a profissão, com a cultura, com outros tipos de nexos societais. Pelo que a alfabetização está desgarrada, desligada do contexto em que ela ocorre. Todas as iniciativas faltam metodologias activas, métodos mais adaptados aos contextos sociais locais, falta o vínculo prático nesta teoria. A falta de motivação e pouco interesse dos alunos deve-se do total desligamento da alfabetização ao modo de vida de alunos e seus familiares, ou seja, a linguagem veiculada nos programas de alfabetização é demasiado teórico, codificada na leitura, calculo e escrita, e descontextualizada das necessidades vitais das pessoas. Os conteúdos são ainda estranhos aos valos da comunidade onde ela está a ser processada. Depois a cooperação com CUBA (Espanhol) dificulta ao povo angolano que já tem imensas dificuldades em falar a língua portuguesa devido a variedade etnolinguística dos alunos.

 

3.1.1-Proposta pedagógica CAT (Conhecer, Analisar e Transformar) do FORDU

A proposta pedagógica CAT sugere que o sistema de ensino deve fincar raízes no Conhecer (conhecer o aluno, os familiares, os professores, a realidade onde a escola se encontra, suas potencialidades e seus problemas) e a escola deve parar vários momentos para Analisar (essa realidade da escola) e depois aproveitar as potencialidades da escola, da cientificidade e dos alunos para transformar a realidade em progresso. Significa que é a realidade da comunidade onde a escola está, que fornece conteúdos didácticos à escola e esta deve contribuir para melhorar o modo de vida da comunidade. Neste método CAT o FORDU pretende:

·         Introduzir a alfabetização na perspectiva profissionalizante

·         Os conteúdos deveriam ter o caracter nacional e não oficial ou seja, que fosse um conteúdo que respeitasse as especificidades étnicas, linguísticas, geográficas, profissionais (camponeses, pescadores, caçadores, recolectores, comerciantes informais, pastores, povos sedentários ou nómadas, etc). 

 

·         A alfabetização enquadrada na perspectiva de projecto educativo de escola para as próprias comunidades, que estimulasse a auto-organização, melhoria de suas práticas económicas, melhoria de sua visão de cidadania;

 

·         Que a alfabetização englobasse a visão de publicidade das potencialidades culturais, turísticas, artísticas locais para melhorar a autoestima dos camponeses e caçadores.

 

·         Que a alfabetização veiculasse virtudes sociais como transparência, solidariedade, equidade, respeito,

 

·         Finalmente, é uma necessidade muito grande a criação de pequenas bibliotecas com livros usados que se pode recolher em campanha de doações no estrangeiro como por exemplo no Brasil e abrir pequenos Baús Pedagógicos de recursos para consultas, leituras, clubes de aprendizagem de línguas, clubes de notícias (jornais e boletins comunitários) para estimular a aprendizagem porque o conhecimento será aplicado na vida concreta e não o universo teórico.

 

Apesar dessas linhas acima, as nossas necessidades serão bem definidas em função do diagnóstico nas zonas que viermos a identificar como sendo zonas estratégicas de intervenção.

3.2-Parceria Escola-Comunidade

Para se cumprir cabalmente a função social da escola, esta precisa envolver a comunidade. Precisa estabelecer uma parceria Escola-Comunidade. Para se concretizar tal desiderato, a escola precisa elaborar o Projecto Educativo de Escola.

3.2.1-Proposta Pedagógica P.E.E do FORDU

O Projecto Educativo de Escola P.E.E. é o instrumento estratégico “que consagra a orientação educativa da escola, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função educativa”

 O PEE é, pois, a referência fundamental para a afirmação da autonomia e para a permanente construção da identidade da escola. Para tal pretende-se que a Escola pretenda que este instrumento orientador congregasse toda a comunidade educativa numa dinâmica participada e apostada na diversidade dos caminhos para o sucesso educativo

Não há qualidade na educação sem a participação da sociedade na escola. A garantia de espaços de deliberação colectiva está intrinsecamente ligada à melhoria da qualidade da educação e das políticas educacionais. Só aprende quem participa ativamente no eu está aprendendo. Se a qualidade de ensino não for abrangente a todos alunos, vai se chamar qualidade para poucos. E sabemos que a qualidade para poucos não se chama qualidade, mas sim privilégios. O contexto social é determinante na qualidade de educação. Mas há também muito a fazer no interior das escolas. E nisso somos todos os responsáveis. Os professores precisam ser bem formados, bem pagos, para ensinar. Precisamos investir na discussão do currículo e das metodologias. 

PILARES DO PEE:

A DEMOCRACIA implica que, no respeito pela pluralidade de iniciativas e de opiniões, as decisões / deliberações devem envolver a participação dos membros da comunidade escolar e ser devidamente fundamentadas.

A AUTONOMIA é a possibilidade da escola tomar decisões e criar dinâmicas por siprópria, em termos educativos e organizacionais.

A DIVERSIDADE, consagrando o direito à diferença e à pluralidade nos mais variados níveis - cultura, pensamento, religião, pedagogia, expressão - enriquece a dinâmica da escola.

A COESÃO implica solidariedade e dinâmica de integração, constituindo o elemento estabilizador da comunidade escolar

3.3-Professores e Formadores comprometidos com a qualidade da escola

A qualidade e compromisso do professor é um instrumento viável de aprendizagem equilibrada e socialmente comprometida com a realidade.

3.3.1-Proposta Pedagógica P.C.E (Projecto Curricular de Escola) do FORDU

O PROJECTO CURRICULAR DA ESCOLA. No quadro do desenvolvimento da autonomia da escola, p PCE é um conjunto de decisões e propostas de intervenção adequadas a um contexto específico, articuladas com o currículo nacional, concebido, aprovado e avaliado pelos respetivos órgãos de gestão da escola, incluindo o conjunto de recursos didatico-pedagógicos que as equipas docentes  podem utilizar para elaborar seus projectos de turmas. O objectivo central é seleccionar as técnicas, as taticas, as estratégias de gestão de conteúdos que mais contribua para se alcançar os objectivos nucleares de aprendizagem que a escola se propôs. O PCE é, assim,  a base fundamental da aprendizagem. É com o PCE que se deve determinar a estilo docente, a ordem dos seus conteúdos, o cumprimento dos objectivos, a sua estrutura organizativa e de funcionamento, o equilíbrio da sua avaliação e todos os elementos do projecto educativo em eu se apostou. O  desenvolvimento do «espírito democrático pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões», de modo a formar cidadãos «capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva», contribui para «o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos», incentivando-os a serem «livres, responsáveis, autónomos e solidários». Isto se consegue através de construção de um currículo progressista. O currículo escolar assume objectivos que extravasam a dimensão cognitiva abarcada pelas tradicionais disciplinas e contempla, com particular ênfase, a importância da consciencialização de valores e do desenvolvimento de atitudes.

Para tal conta com alunos participantes, criativos, curiosos, abertos a interdisciplinaridade e disciplinados.

A proposta pedagógica jamais será cabalmente realizada se não se contar com envolvimento da comunidade onde a escola está inserida.

Depois destes dois pilares: educativos –aluno e comunidade precisa-se um professor que é líder de pessoas e líder de processos

3.3.2-Guias metodológicas e seus conteúdos

Tanto a proposta pedagógica CAT, o projecto de parceria escola-comunidade PEE, bem como a formação permanente do professor através do Projecto Curricular de Escola PCE precisam materiais didácticos adequado. E o FORDU se propõe a elaborar guias metodológicos destinados aos professores e formadores

3.3.3-Onde queremos ir

AVALIAÇÃO DO ALUNO, DO PROCESSO E DO CONTEUDO

Depois de cada uma dessas etapas, vem a Avaliação que envolve 3 momentos importantes:

AUTO-AVALIAÇÃO-processada pelo próprio sobre seu progresso na base de resultados e impacto

A HÉTERO-AVALIAÇÃO- processada pelos alunos, professores, direcção da escola e a comunidade envolvente (esta é base de uma avaliação da verdadeira qualidade de educação)
AVALIAÇÃO DE CONTEÚDOS- processada numa perspectiva clássica das disciplinas curriculares e eventualmente extracurriculares.

TUNIS (TUNÍSIA), FORUM SOCIAL MUNDIAL DE 2015
27 DE MARÇO DE 2015



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