domingo, 7 de setembro de 2014

DEBATE SUBORDINADO AO TEMA: OS DIREITOS HUMANOS E ACESSO À JUSTIÇA: A PERTINENCIA DA CONTRIBUIÇÃO DAS UNIVERSIDADE EM ANGOLA


FORUM REGIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO UNIVERSITÁRIO

                    

 

Os Direitos Humanos e o Acesso à Justiça em Angola; a pertinência da contribuição das Universidades.

BENEFICIÁRIO DA PALESTRA: Comunidade académica, especialmente os estudantes do Curso de Direito, Ciências Políticas,  Relações Internacionais, sociologia e professores os professores interessados.

1-ASPECTO INTRODUTÓRIO

 Os DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA SÃO o conjunto de prerrogativas económicas, sociais, culturais, civis e políticas reconhecidas, garantidas, protegidas e satisfeitas pelos Estados Soberanos no plano interno e monitorados pelas Instituições Intergovernamentais e Internacionais no plano externo; oferecidas à pessoa humana pelo  simples facto de ser pessoa, sem discriminação de nenhuma forma. Portanto, a qualificação de “fundamentais” significa que se trata de situações jurídicas sem as quais, a pessoa humana não se realiza, não convive, não vive e tem imensas dificuldades de sobreviver. Agora, o qualificativo “pessoa humana” significa que a todos, por igual, devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. E é esta designação que vivifica o conceito de soberania popular como fonte de tais direitos, logo a sua largamente reconhecida historicidade. Os direitos humanos incluem direitos do homem (que o Estado só tem que reconhecer porque eles já nascem com o homem- direitos naturais) e direitos do cidadão (que o estado deve outorgar porque são oferecidos como efeito imediato de ser juridicamente vinculado num Estado formal, material e orgânico) ou seja, os direitos do homem abrange tanto os nacionais como os estrangeiros num determinado País ao passo que os direitos do cidadão apenas estão reservados aos nacionais, em contexto interdependente, indissociável, irrenunciável, irrevogável, universal, holística e atemporal.

1.1-Direitos da 1ª Geração

Embora os Direitos Humanos tenham entrado para a tradição político-constitucional através da Magna Carta Libertatus da Inglaterra em 1215 e posteriormente o Petition of Rights em 1628 e Bill of Rights em 1689 com as Revoluções da Inglaterra em torno do Poder do Rei e dos direitos dos súbditos até sensivelmente 1832 com Reform Act. Os primórdios dos direitos fundamentais aparecem no cerne do Rule of Laws, querendo significar o conjunto dos princípios, as instituições e os processos que a tradição e a experiencia dos juristas e dos tribunais mostraram ser essenciais para a salvaguarda da dignidade das pessoas frente ao Estado, à luz da ideia de que o Direito dever dar  aos indivíduos a necessária protecção contra qualquer exercício arbitrário do Poder. Esse quadro veio a inspirar as Revoluções americanas (declaração da Independência dos EUA e da Virgínia precedidos de Fudamental Orders of Connecticuts de 1639)  e da França (em 1789; e, depois (as Revoluções Russas de 1917 e as chinesas de 1949, eles se tornaram numa teorização geral da relação de poder entre os Estados dentro e fora de suas fronteiras e entre os Governos e seus povos dentro dos Estados Soberanos. Séculos foram envolvidos nesse glorioso percurso da busca dos direitos civis e políticos até à progressista constituição de Weimar (Alemanha de 1919) considerada pioneira do personalismo constitucional. Porém, a coroa dos Direitos surgem mesmo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 como Magna Pactum de preservação e solidariedade da Raça Humana sem discriminação de nenhuma forma devido a ameaça de aniquilação da raça humana pelas máquinas de guerra construídas durante a 2ª Guerra Mundial.

Em suma, estamos a valorizar a divisão tripartida dos Direitos Humanos: os primeiros defensores dos direitos humanos se bateram ao longo dos séculos 13, 14, 15, 16, 17 e 18 pela participação cívica dos Cidadãos, acabando com os regimes monárquicos absolutos que caracterizavam os impérios e reinos, para se introduzir o Republicanismo, o constitucionalismo e a constitucionalidade das leis na relação de poder politico. Assim, os Direitos Civis e Políticos por marcarem o 1º estágio de luta cívica dos primeiros defensores de participação na gestão da coisa de todos, esses direitos passaram a ser designados de Direitos da 1ª Geração. O Instrumento Jurídico Internacional que tutela tais direitos de 1ª Geração é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de que Angola reconheceu e ratificou aos 10 de Abril de 1992 significando que a partir dessa data, Angola se comprometeu internacionalmente a reconhecer, garantir, proteger e satisfazer os direitos civis e políticos de seus cidadãos.

1.2-Direitos da 2ª Geração

A Europa que antes era povoada por camponeses pobres, a partir da Revolução Industrial surge um grupo numeroso de operários e o êxodo rural em que os camponeses abandonam o campo para emigrar para as cidades a fim de trabalhar na indústria o que veio a aumentar a crise em dois grupos: camponeses e operários considerados oprimidos pela burguesia. Esse quadro durou sensivelmente 1 século até que em Outubro de 1917 eclodiu a Revolução  Soviética desencadeada pelos Bolcheviques, no final da 1ª Grande Guerra Mundial inspirados nas teorias cientificas de Karl Marx e Friedrich Engels. Essa geração de luta já não reclamou a participação Cívica mas sim o direito a alimentação, habitação, vestuário e outros meios de consumos complementar para a sobrevivência do Homem e tinham um lema eloquente: Acabar com a exploração do homem pelo homem a fim de se garantir direitos de propriedade aos camponeses e operários, no fito de instaurar a igualdade e a inclusão socioeconómica e cultural, divisão equitativa da renda nacional e a protecção social dos trabalhadores, (sindicalismo). Assim, surgiu a classe dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais que visasse a divisão equitativa do acesso a bens entre camponeses, operários e burgueses, ou seja entre ricos detentores de propriedades e pobres que vendem sua força física e mental em troca de salário. Esses lutadores pelos direitos iguais na procura da felicidade material, são considerados a segunda geração de luta e assim, os Direitos Económicos Sociais e Culturais marcam os direitos da 2ª geração. O Instrumento Jurídico Internacional que tutela tais direitos de 2ª Geração é o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais de que Angola reconheceu e ratificou aos 10 de Janeiro de 1992 o que igualmente significa que o Estado Angolano se comprometeu perante o mundo que os angolanos têm direitos económicos, sociais e culturais reconhecidos, garantidos, protegidos e satisfeitos pelo Estado através de suas instituições governamentais.

1.3-Direitos da 3ª Geração

Com o fim da escravatura no século 18, inicio do processo de descolonização sobretudo da América Latina, processo que seguiu até ao fim da 2ª Grande Guerra Mundial, a revolução cientifica elevou o homem à Lua, o ramo da medicina avançou formidavelmente na revolução genética, surgiram os primeiros rudimentos de computadores e o avião se tornou num meio de transporte rápido e seguro, o telefone, o faxe e o telex popularizaram-se com eles a Radio e a TV  entrou-se então  para a era da globalização! Abolição da exploração, a descolonização da África e da Asia e a instauração da paz global, a preservação do meio ambiente global, o respeito e protecção das crianças, mulheres e minorias étnicas, a instauração do combate às doenças endémicas globais, a pobreza, as catástrofes naturais, saída humanitária e proteção de povos migrantes, combate ao narcotráfico transfronteiriço, o combate ao tráfico de seres humanos e órgãos humanos introduziram no panorama de Direitos um novo tipo de Direito: a solidariedade entre os povos, as raças e as gerações e destes a instauração do convívio entre o homem e a natureza para sustentar o futuro, assim nasceu dessa solidariedade global os Direitos de 3ª Geração na perspectiva cosmopolita. Juridicamente estes direitos estão pulverizados em vários Tratados Internacionais de que os Estados Soberanos como Angola Reconhecem e ratificam para terem validade jurídica interna. São estes direitos que têm incentivado o surgimento de organizações Intergovernamentais de caracter de cooperação económica, criação de moedas únicas, isenção de vistos, aceitação de asilos políticos e protecção dos refugiados de guerras, liberdade de migração, direito à paz e à resistência, livre circulação de bens e ideias.

2-ABORDAGEM DOS DIREITOS HUMANOS NAS UNIVERSIDADES EM ANGOLA

Como ponto prévio, os direitos e as garantias sociais ostentam a dimensão de reconhecimento. Esse reconhecimento tende a obrigar os poderes públicos a intervir em proveito dos governados.

Angola se tornou independente a 11 de Novembro de 1975 depois de 500 anos de Colonização Portuguesa onde juridicamente os angolanos eram apenas uma população e não era um povo vinculado juridicamente nos direitos e deveres estadualmente protegidos.

 Ao erigir-se em Estado, Angola preocupou-se em criar instituições sociais para garantir, proteger e satisfazer os direitos fundamentais das pessoas que passaram de simples população estatisticamente contável (na época colonial) para povo juridicamente vinculado na cidadania (após a Independência). Porém, os Direitos Humanos em Angola não foram tratados de forma profunda devido a complexidade de um País em Conflito militar fratricida proteger direitos. Na guerra viola-se todo o tipo de direitos por isso a nossa guerra passada não propiciou o discurso e percurso dos Direitos. Vivíamos um Estado de Sítio quase permanente então certos direitos foram sonegados até que se alcançou a paz. Por extensão os Direitos Humanos não se encontram  inseridos nos currículos escolares quer de base quer das universidades conteúdo  académico-didáctico quer como Estudo Científico com um corpo teórico de validade interna e externa.

Os Direitos Humanos, de forma genérica estão plasmados no texto da Constituição angolana e constituem o substrato da justiça protegida densamente nas leis avulsas incluindo a justiça penal (uis puniendi). Os cursos de Licenciatura em Direito tem insuficiência na abordagem de Direitos Humanos, apenas evoca-se os direitos humanos de forma eventual  na perspectiva doutrinária nas litigações em tribunais. O que faz de Angola ainda relativamente novo na abordagem dos Direitos Humanos. Para superar este défice o Estado Angolano criou Instituições Governamentais e estaduais que protegem os Direitos tais como o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a Secretaria de Estado para os Direitos Humanos, a Provedoria da Justiça, Procuradoria-Geral da República, alguns ministérios como o do Interior, o da Família e Promoção da Mulher, o da Educação e Cultura e a 11ª Comissão do Parlamento que zela igualmente pelo atendimento a direitos dos cidadãos. Finalmente, nas faculdades de Direito em Angola, salvo melhor opinião, o Direito é estudado na sua vertente jurídico-técnica como Ciência Aplicada. Visa formar magistrados judiciais e advogados orientados ao mercado de trabalho e por esta via aceder a cargos de administração da justiça. Por isso, a abordagem dos Direitos Humanos na perspectiva epistemológica está despida de cientificidade porém carregado de profissionalismo pragmático.

A tradição político-ideológica de Angola pós-colonial optou por um modelo de Estado que não priorizou os direitos civis e políticos e sim os direitos económicos, sociais e culturais. Com a instauração do Estado Democrático e de Direito em 1991/92 entramos então para a era do Estado Democrático e de Direito. Este contexto jurídico  significa que o Estado se compromete a reconhecer, garantir, proteger e satisfazer os direitos dos cidadãos e igualmente coloca o primado da lei na relação de poder entre os titulares de obrigações e os sujeitos de direitos. Para mais: a consolidação do Estado de Direito no plano formal veio a acontecer em 2010 com a Aprovação da Constituição Angolana, onde largamente os Direitos Fundamentais são aí pulverizados. No plano internacional o Estado angolano tem concertado com a Sociedade Civil para articular a elaboração periódica do Relatório sobre o quadro dos Direitos Humanos em Angola através do RPU-Revisão Periódica Universal do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Bem como o reconhecimento e ratificação da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos pelo Estado Angolano a partir do dia 02 de Março de 1990. Daquele tempo para cá o Estado tem aplicado através da ordem jurídica interna aquele instrumento intergovernamental de protecção.

3-O ACESSO À JUSTIÇA NO CONSTITUCIONALISMO MODERNO E NO CONTEXTO ANGOLANO

A Célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de Agosto de 1789  não poderia ser mais loquaz: “toda a sociedade que não protege os direitos de seus cidadãos não têm Constituição e quando não tem Constituição não é Estado” podemos depreender dessa eloquência que nos chega da Revolução Francesa de que é o reconhecimento, a garantia, a protecção e a satisfação dos direitos dos cidadãos que são a razão de ser dos Estados. O acesso à justiça é um dos mais nobres caminhos de assegurar os direitos dos cidadãos: justiça social e justiça distributiva

Na perspectiva jurisdicional, acesso a justiça supõe que todos por iguais, podemos pleitear e reivindicar as nossas demandas junto dos órgãos do Poder Judicial, desde que obedecidas as regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício do direito. Este Mandamento tem relação direta com duas outras garantias: a possibilidade de que a lesão ou ameaça a direito possa ser submetida à apreciação do Poder Judicial e o amparo estatal dado àquelas pessoas que, por sua condição de pobreza, não podem arcar com encargos da assistência judicial, como custas de honorários advocatórios.

Ainda o princípio do acesso à justiça significa que o legislador não pode criar obstáculos a quem teve seu direito lesado, ou esteja sob a ameaça de vir a tê-lo, de submeter sua pretensão ao Poder Judicial.

O acesso à Justiça deve ser efetivo e material, o que significa dizer que a resposta apresentada pelo Estado deve dirimir o conflito existente ou legitimar a situação em prazo razoável. Não basta que o poder judicial receba a petição ou queixa ou outras formas e garanta o direito de ação processual, ou seja, o direito de agir dirigindo-se ao órgão jurisdicional, mas deve, e sim, garantir uma decisão justa. Sem acesso à justiça Este quadro tem dado lugar a que os direitos económicos, sociais, culturais, civis e políticos sejam coarctados devido ao conjunto de burocracia  construída a volta do poder judicial.  A justiça é alimentada pela justiça económica. A economia justa é o eixo em torno do qual gravita todos outros direitos fundantes.

O acesso à justiça se administra através da eficácia e eficiência dos tribunais, da Procuradoria-Geral da Republica auxiliado pelo Ministério do Interior na perícia. O acesso a justiça é entendido como consciência de que  a violação de direitos económicos gera a pobreza abjeta; a violação de direitos sociais gera o analfabetismo, a mortalidade materno-infantil, a falta de habitação e a falta de segurança pública; a violação de direitos culturais gera a exclusão das etnias minoritárias, a fraca promoção de línguas nativas, o tímido resgate de valores culturais diversos, a violação dos direitos civis como falta de registo de identidade, falta de propriedades, burocracias de casamentos civis, por vezes as prisões injustas sem acusações formais ou ainda nos casos mais graves a execuções extrajudiciais, excessos de prisões preventivas; a violação de direitos políticos gera a fraca participação cívica e debilita as instituições democráticas e por conseguinte a tímida monitoria do impacto das políticas públicas nas vidas dos cidadãos quer através de exigência ao Parlamento quer através do poder local. Assim o acesso à justiça social gera harmonia interpessoal e interinstitucional entre as pessoas e o acesso à justiça distributiva gera equilíbrio na afetação dos recursos económicos a todos os cidadãos sem exclusão social.

4- As oportunidades das universidades para promoção dos Direitos Humanos e o acesso à justiça

Os direitos humanos e o acesso a justiça podem ser o contexto de cientificidade gerador de modelos  teorético-explicativos e sufragar uma rigorosa separação dos poderes, das funções para propiciar o usufruto dos mesmos direitos; porque carregados de um manancial epistemológico moderno e que afigura o cume das mundividências conflituais actuais.

Assim, as universidades enquanto centros de produção de conhecimento, de conceptualização, teorização e irradiar novas visões de relação entre o individuo, o grupo e a circunstância, elas podem aproveitar a sua vocação cientifica para pesquisar, investigar, sistematizar as experiencias e os acontecimentos para daí aferir o quadro contextual e divulgar cientificamente os resultados da pesquisa.  

As universidades angolanas podem promover os Direitos Humanos e o Acesso à Justiça a partir do ambiente de aprendizagem e a relação universidade-comunidade envolvente.

As universidades podem simular através de investigação científica a advocacia social e monitoria dos direitos humanos em prol da justiça social e justiça distributiva.

As universidades podem encetar parceria com os tribunais locais e outras instituições de protecção de Direitos Humanos para uma articulação entre a teoria e a prática treinar as mentes, as praticas, as politicas, as ideias e as crenças visando o fortalecimento de competências, conhecimentos e habilidades profissionais quer na perspectiva advocatória quer na perspectiva jurisdicional. Pelo facto de as universidades produzirem o conhecimento aplicado no contexto universal sem fronteiras, elas podem conhecer os mecanismos regionais de protecção de direitos (SADEC) Continental (OUA, União Europeia, e Sistema Interamericano) e internacional (Nações Unidas) para entender-se como global o fenómeno de defesa dos Direitos Humanos.

As universidades podem integrar nos seus centros de estudos e investigação cientifica a componente de acesso à justiça e direitos humanos como forma de acompanhamento da afetação imperativa de valores à sociedade.

5.CONCLUSÕES

As Universidades em toda parte podem ser o exemplo de produção da justiça social, da igualdade de oportunidades, do intercâmbio cultural e do saber mais profundo e perfeito. A universidade pode ser o ponto de partida e de processamento das experiencias e debates construtivas não só tecnicamente capazes como também com capacidades de questionar a técnica. As universidades podem ser ao mesmo tempo a Pergunta, o questionar como também o responder. Todas essas capacidades, só são uteis quando colocadas ao serviço da pessoa humana. Se o conhecimento produzido na universidade melhorar o instrumental de visão das pessoas, eliminar as injustiças sociais e provocar o progresso humano então as universidades podem ser consideradas a alavanca dos Direitos Humanos e do Acesso a justiça.

Huambo, 05 de Setembro de 2014

 

Ângelo Carlos

Defensor dos Direitos Humanos e Presidente do Fórum Universitário