sexta-feira, 16 de agosto de 2013


RELAÇÃO ENTRE O DEPUTADO E O POVO NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM ANGOLA – O QUE NÃO FOI FEITO DE 1992 ATÉ 2013

Dia 12 de Julho de 2013, a sala de Conferencia da Biblioteca Santo Anselmo foi pequena para acolher o JANGO ÀS SEXTAS-FEIRAS, assembleia que o FORDU- Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário promove quinzenalmente. Desta vez, o convidado foi o ilustre e carismático Deputado e Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Dr. Raul Danda, que foi convidado para, durante quase 5 horas abordar de forma intelectualmente humilde, honesto e profundo o tema:  RELAÇÃO ENTRE O DEPUTADO E O POVO NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM ANGOLA – O QUE NÃO FOI FEITO DE 1992 ATÉ 2013,  tema foi escolhido tendo em conta a insuficiência de contactos e representatividade na relação de poder delegados e poderes delegantes dos Deputados e so seu povo eleitor desde a aurora da democracia em Angola. O Deputado do Povo, Dr Raul Danda, evidenciou que:  É para mim uma grande honra estar aqui hoje, nestas terras maravilhosas do nosso Planalto Central, em resposta ao convite que me foi gentilmente formulado pelo FORDU-Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário, que tanto se tem batido para que Angola se reencontre e todos os seus filhos e filhas sejam tratados de forma igual, conforme estabelece a Constituição da República, no seu Artigo 23º, com a finalidade de abordar um tema ao qual estou intrinsecamente ligado, na qualidade de um dos vossos representantes:

A Relação entre o Deputado e o Povo na Democracia Representativa em Angola.

Trata-se de um tema que, muito certamente, não se esgotará numa simples abordagem. Mesmo assim, desenvolveremos um esforço no sentido de, sem cansarmos em demasia este augusto auditório, escorrermos nos meandros daquilo que, por um lado, julgamos ser, e, por outro tem sido, o Relacionamento entre os Deputados e os cidadãos desta grande Pátria que se chama Angola; esses Cidadãos que nos elegeram com a finalidade única de os representar, mas representar bem.

 

Qual deve ser o relacionamento entre o Deputado e o Cidadão que o elegeu?

Antes dessa abordagem, importará recordar quem é “o Deputado” e quem é “o Cidadão” que elege esse Deputado.

Quem é “o Cidadão”?

Para Aristóteles, o homem realiza a sua essência participando da comunidade política. O Estado, que é a palavra moderna com a qual designamos a comunidade política, existe para possibilitar a vida plena, a melhor das vidas possíveis aos homens. A questão é: quando pertenço ou faço parte do Estado? Será que basta morar num território para pertencer automaticamente ao Estado? Para responder a estas questões, é preciso saber o que é ser “Cidadão”.

Aristóteles oferece uma definição curta e precisa: “cidadão é aquele que participa dos poderes do Estado”. Quer dizer, para ser membro da comunidade política não basta morar num país. É imprescindível possuir um poder efectivo de intervenção no Estado. Que poderes? O povo governa, legisla e julga directamente. Quem só obedece não é cidadão. Ser cidadão é obedecer e mandar.

Não restam dúvidas de que o número de pessoas aptas a serem cidadãs depende do tipo de governo que existe num Estado. Aristóteles divide os tipos de governo em dois grandes grupos: os que governam em favor dos interesses privados (do tirano, dos ricos ou da massa) e os que governam em favor do bem comum. Ele considera os primeiros como sendo os injustos e os últimos como sendo os justos. Só é possível ser-se cidadão em presença destes (os chamados “justos”, portanto), pois quando se governa em favor dos interesses privados, todo o poder está concentrado nas mãos de quem controla o Estado.

Contrariamente ao que estamos habituados a ouvir, Aristóteles não pensa que a cidadania é um privilégio automático concedido a alguns em virtude do seu nascimento. A pergunta mais importante para Aristóteles não é: “quem pode ser cidadão?” Mas antes: “o que é que o cidadão pode fazer?” É verdade que ele não reconhece o direito de cidadania às mulheres, aos escravos, aos estrangeiros e aos menores. Contudo, cerca de 2500 anos depois, como é que podemos quantificar os avanços registados? Para além de ter sido legalmente suprimida a escravidão (porque, de facto, ela continua a existir em vários pontos do Globo, mesmo que de forma mais ou menos dissimulada), apenas foram incluídas as mulheres! Quando examinamos mais de perto essa inclusão, a mudança não parece muito expressiva. Se nos perguntarmos quantas mulheres participam, efectivamente, dos poderes do Estado, a resposta conduzir-nos-á a essa incómoda realidade.

Por outro lado, Aristóteles já naquele tempo denunciava a demagogia escondida por detrás de determinados mecanismos de participação popular, introduzidos por alguns governantes: os “Conselhos”. Vistos mais de perto, esses Conselhos geralmente respondem, ao fim e ao cabo, unicamente aos comandos dos próprios governantes. Em vez de serem instrumentos de participação directa e efectiva no poder, tornam-se formas de envolvimento justificadoras do autoritarismo sob a aparência de democracia. Um governante, quando não quer ou não consegue resolver um problema, transfere-o a um Conselho. Com isso, a culpa pelo fracasso passa do governante para o povo! Em vez de ser uma prática de inclusão, torna-se uma forma de exclusão política.

Note-se, entretanto, que, enquanto para Aristóteles o cidadão deveria exercer directamente os poderes públicos (de governar, legislar e julgar), hoje, o único poder que o cidadão exerce directamente é o da escolha dos seus representantes. E mesmo no exercício desse, os poderes instalados nas “democraturas” – ou seja nas democracias de faz-de-contas – lá vão fazendo recurso às artimanhas da fraude com o objectivo de se perpetuarem no exercício desse poder. Exemplos não nos faltarão, a começar mesmo do nosso próprio umbigo; do nosso próprio país.

Por um lado, a lição que Aristóteles nos oferece é a de que, para se ser cidadão, é preciso participar efectivamente da vida da comunidade política. Ora esta participação não pode limitar-se à escolha dos nossos representantes. Ela implica o direito de exprimirmos livremente as nossas ideias e opiniões, a liberdade de exigirmos os direitos garantidos pela Constituição e pela Lei, a obrigatoriedade de cumprirmos os deveres estabelecidos na Constituição e na Lei, e o direito e liberdade de nos inserirmos activamente nas diferentes formas de organização da sociedade, responsáveis pela realização de uma vida feliz para todos.

Noutros termos, Ser cidadão é ter consciência de que se é sujeito de direitos: Direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Mas este é apenas uma das faces da moeda, porque Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a colectividade, a Nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar a sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objectivo final, colectivo: a justiça, no seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.

Passemos agora para o outro extremo da nossa abordagem:

Quem é “o Deputado”?

Deputado é aquele que, por eleição, se torna membro de uma Assembleia com poderes para deliberar. É um delegado. Em muitos países, chamam-se Deputados aos representantes do povo eleitos para o Parlamento. Este é o nosso caso.

Se olharmos para a nossa Constituição, aprovada e a vigorar desde Fevereiro de 2010, o nº 1 do Artigo 141º define a Assembleia Nacional como sendo o Parlamento da República de Angola. O nº 2 do mesmo artigo aponta a Assembleia Nacional como sendo “representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado”. O mesmo vem expresso no Artigo 3º da Lei Nº 13/12, de 2 de Maio – A Lei Orgânica que aprova o Regimento da Assembleia Nacional.

Como todos os cidadãos não podem levantar-se ao mesmo tempo para dar voz aos seus problemas, às suas ansiedades, às suas aspirações, etc., escolhem, nas urnas, quem o possa fazer, em seu nome. Esse alguém é o Deputado.

E o Artigo 147º da Constituição da República defende e reitera que “os Deputados são representantes de todo o povo e não apenas dos círculos eleitorais por que foram eleitos”. Por isso, a actuação, a conduta de um Deputado deve pautar-se, em todos os momentos, na busca do melhor para o Povo que representa, e não cingir-se ao mero alinhamento ao pensamento partidário porque, mesmo nas ditaduras declaradas, nenhum partido terá dimensão real de Estado.

Em Angola, e à luz da Constituição, os Deputados têm 3 grupos de competências; 3 grupos de funções, em representação do Povo que os elege, nomeadamente:

1.    A Competência Representativa – referida nos Artigos 141º e 147º da Constituição, bem como no Artigo 3º da Lei 13/12;

 

2.    A Competência Política e Legislativa – prevista nas 14 alíneas do Artigo 161º, da Constituição, nos Artigos 164º, 165º, 166º, 167º, 168º, 169º, 170º, 171º, 172º e 173 da mesma Carta Magna, bem como na própria Lei Nº 13/12; e

 

3.    A Competência de Controlo e Fiscalização – prevista no Artigo 162º da Constituição da República, bem como na Lei Nº 13/12, exercida pelos deputados, individualmente, a nível das 10 Comissões de Trabalho Especializadas ou dos Grupos Parlamentares.

Das três funções primordiais dos Deputados a mais importante, para além da função de legislar e a de fiscalizar os actos do Executivo, é, sem dúvidas, a função representativa. Esta função, como é fácil verificar, engloba as outras duas. Com efeito, os Deputados são cidadãos escolhidos para representar o Povo no Parlamento. São escolhidos para, em nome desse Povo, elaborarem e aprovarem as leis que serão posteriormente executadas pelo Executivo – passe a redundância – (através da Administração Central e Local do Estado) e aplicadas pelos Tribunais, desenvolvendo esforços para que essas Leis, destinadas às populações, sejam o mais justas possível, o mais coerentes possível e viradas para a prevenção e a resolução, em vez de servirem para a criação de problemas e de focos de tensão, garantindo assim a sua durabilidade e longevidade. Estamos a falar da Função Legiferante, ou seja a de Legislar.

Os Deputados são escolhidos para, em nome e em representação do Povo, fiscalizarem a acção governativa, detectando e prevenindo desvios, voluntários ou involuntários, por parte das entidades a quem se dá a missão de fazer a gestão do Erário, pertença de todos nós; assegurando que as Despesas preconizadas pelo Executivo sirvam de facto para cobrir Necessidades reais e coerentes das populações, e que as Receitas a utilizar para realizar essas Despesas sejam bem empregues. Em suma, que o dinheiro e outros bens e património públicos sirvam o Povo, seu legítimo proprietário, em vez de servirem eventuais oportunistas que, servindo-se do Poder, emprestado pelo Povo, se vejam tentados a espoliar e esbulhar esse Povo, em nome de quem e para quem dizem trabalhar; a quem dizem servir.

E porque, em nome e em representação do Povo, os Deputados concedem autorização ao Executivo para utilizar recursos, quase sempre escassos, para a realização do bem comum, esse Executivo funciona como um agente que trabalha por conta de outrem (o Povo) a quem deve, obviamente, prestar contas, através dos seus Representantes no Parlamento, ou seja, os Deputados. Referimo-nos aqui à Função Fiscalizadora.

É esta função que permite controlar e mesmo combater os actos de corrupção; uma corrupção que cresce de forma quase descontrolada e assustadora e que favorece a delapidação da coisa pública, o enriquecimento operado por varinhas mágicas e a grave e gravosa injustiça no que diz respeito à redistribuição da riqueza nacional, pertença de todos nós; uma redistribuição que continua a morar no imaginário, no fictício, mau grado os propalados slogans de “produzir mais para distribuir melhor”. Do ponto de vista real, fica muito realçada a ideia de que todos terão a obrigação e a obrigatoriedade de produzir mais, enquanto a “melhor distribuição”, ficará um direito de uns poucos, que nos vão tentando enganar com histórias de terem chegado a bilionários vendendo ovos, não se sabendo se de galinha ou se de dinossauro. 

É esta Função Fiscalizadora que permite controlar e fazer frente à Corrupção, havendo vontade política para tal; uma Corrupção que o próprio Presidente da República, José Eduardo dos Santos qualificou, em 2002, após o fim do conflito armado que opunha o Governo do MPLA à UNITA, de “pior mal a seguir à guerra”, e que esteve na base do surgimento de “Tolerâncias Zero”, “Leis de Probidade” duplicadas, mas que discursos recentes traduzindo a voz da alma acabaram por lhe imprimir uma surpreendente desaceleração, que nenhum angolano de bem consegue digerir, até hoje.

É essa Função Fiscalizadora dos Deputados, fundamental, crucial, que se encontra suspensa desde pouco depois da entrada em vigor da Constituição da República, em Fevereiro de 2010 (já lá vão mais de 3 anos), por um surpreendente e incompreensível Despacho do então Presidente da Assembleia Nacional; uma suspensão que continua a imperar até hoje, deixando o Presidente Eduardo dos Santos, seus Ministros de Estado, Ministros, Governadores, Administradores, Gestores de Empresas Públicas, que utilizam o dinheiro de todos nós, sem a devida e obrigatória prestação de contas sobre como gastam o nosso dinheiro. E a pergunta que não pára de nos assolar a mente é a seguinte: essa medida visa proteger quem e o quê de quem?

Ora, porque os Deputados são representantes do Povo; este Povo que é o verdadeiro detentor do poder político, o único e verdadeiro soberano, deve o Representado interagir com o Representante, no sentido de saber, ter informação, sobre o trabalho que o Deputado realiza e como está a representá-lo em cada legislatura.

De um modo ideal, em Angola os deputados deveriam relacionar-se com os cidadãos representados, facultando a estes toda a informação sobre a actividade parlamentar. Sobre isto, os angolanos continuam a interrogar-se sobre os motivos que levam o partido da situação – o MPLA – a impedir permanentemente o surgimento de um Canal Televisivo – a TV Parlamento – que seja disponível para todos os cidadãos que possam ver/ouvir, com possibilidade de ter linguagem gestual para os surdos/mudos; bem como o surgimento de uma Rádio Parlamento, disponível para todos os cidadãos que possam ouvir e para aqueles que não podem ver mas que o seu meio de comunicação primordial é a rádio. Os cidadãos deviam todos exigir ao Executivo do Presidente Eduardo dos Santos e ao Partido que suporta esse Executivo que acabem os bloqueios claramente colocados à transmissão dos debates, todos os debates que têm lugar na Assembleia Nacional, para que os representados saibam de forma cabal o que se discutem as questões no Parlamento, como são discutidos e quem, na realidade, defende Angola e os Angolanos nesses debates. Afinal, têm medo de quê?

Poder-se-á dizer que essas iniciativas requerem recursos e que estes são escassos. Talvez. Mas pode-se dar aos angolanos a angústia e o sofrimento de assistirem a verdadeiros esbanjamentos de milhões e milhões de dólares seus, em coisas de uma futilidade incrível, para depois se alegar falta de recursos para algo que, sabe-se, só contribui para o reforço da aprendizagem e do grau de maturidade do cidadão angolano, e da própria democracia?

Outras formas de relacionamento entre o Deputado e o Povo consistem em, entre outras, “receber as petições, as reclamações e as sugestões de qualquer cidadão, instituição pública ou privada, contra acto ou omissão das autoridades e entidades públicas, ou imputados a Deputados e encaminhá-las, por escrito, às comissões competentes em razão da matéria, para análise, não sendo permitido o anonimato do autor ou autores” alínea d) do Nº 2 do Artigo 54º da Lei Nº 13/12, de 2 de Maio; incumbência específica da 10ª Comissão (Comissão dos Direitos Humanos, Petições, Reclamações e Sugestões dos Cidadãos).

De forma específica, também, e nos termos da alínea o) do Artigo 23º da citada lei (Lei 13/12, de 2 de Maio), ao Deputado é concedido o direito (que assume contornos de dever também) de, e eu vou citar: “manter vínculos de informação e auscultação com o eleitorado”.

Círculo Provincial Eleitoral

Por outro lado, os Deputados são eleitos por dois círculos eleitorais distintos, sendo o Nacional e o Provincial. Cada província elege 5 deputados à Assembleia Nacional e a Lei em vigor manda que os Deputados eleitos pelos círculos provinciais permaneçam nas respectivas províncias, deslocando-se à capital nos termos que a lei estabelece.

Isto serve justamente para que o Deputado do Círculo Provincial tenha e mantenha contacto com o seu eleitorado, visite os municípios, comunas, aldeias, etc., e desenvolva uma fiscalização de modo a certificar-se se a execução do orçamento provincial está a ser realizada conforme o previsto no momento da sua aprovação, esperando-se que o fiscalizado não ponha impedimentos ao trabalho do fiscalizador.

As petições, reclamações e sugestões que o cidadão tenha, também podem e devem ser remetidas aos Deputados, seus representantes, no Círculo Provincial, efectivando e facilitando assim essa interacção necessária, desejada e salutar entre Representante e Representado; entre o Deputado e o Cidadão.

O meu caríssimo amigo, o Dr. Ângelo Kapwatcha, pediu-me que falasse sobre aquilo que não foi feito desde 1992 até 2013 na relação entre o Deputado e o Povo. Em matéria dessa relação entre o Deputado e o Povo que o colocou na posição de seu representante. Julgo que, depois de toda esta explanação que aqui acabo de fazer, cada um dos presentes terá notado que falta fazer quase tudo para que se mantenha um vínculo eficaz e funcional entre estes dois extremos; para que se estabeleça uma ponte entre os dois pontos, que seja robusta e duradoira. 

Agradeço profundamente a atenção que me foi prestada por este magnífico auditório e apresento, desde já, as minhas desculpas na eventualidade de me ter estendido, nesta prelecção, para lá do limite da vossa paciência.

Muito obrigado.

Raúl Danda

   – Deputado à Assembleia Nacional –

 

AINDA OS PARTICIPANTES TIVERAM ACESSO AO UM TEXTO DE REFLEXÃO CONTRADITÓRIA:

OS DEPUTADOS SÃO SUPOSTAMENTE ELEITOS PELO POVO MAS QUE SÃO NOMEADOS PELOS PARTIDOS? (EXTRAÍDO DO ARQUIVO DAS ENTREVISTAS DE ANGELO KAPWATCHA CONCEDIDAS À VOZ DA AMERICA EM 2012)

(…) Quereria significar mais ou menos que o povo não elegeu directamente os Deputados João, Ernesto, Maria, Antónia, Gonçalves, Paulo, António, etc. Estes foram identificados nos seus partidos com uma comprovada fidelidade ao partido sem ser do conhecimento dos eleitores dos tais partidos. A dada altura através dos comités e outras formas internas dos partidos sem o conhecimento da sociedade civil e do Estado em geral, os partidos compilam listas de candidatos a deputados e estas listas são aprovadas pelas instituições legais como o Tribunal Constitucional e ou o Tribunal Supremo nas vestes daquele. Se, eventualmente, o partido ganhar alguns votos esses votos são estatisticamente contabilizados e em função do método que a ciência política consagrou como método de transformar os números de votos em mandatos governativos ou legislativos então o partido coloca seus militantes fiéis na Assembleia Nacional e são daí chamados Deputados do Povo ou Delegados do Povo, como se na verdade o fossem. Mas alguns delegados, no Parlamento Angolano comportam-se mesmo como Delegados do Povo mas outros que são 99%, não passam meramente de elites políticas que protegem suas gordas conquistas salariais, e obviamente nunca deixarão saudade a Nação senão pela negativa. Mas isto não acontece apenas em Angola, é uma degenerescência dos Parlamentos a nível do mundo, só que em Angola o Parlamento serve da Pensão de velhice para aqueles que já foram úteis ao partido, e se querem posicionar como guardiões do templo, ou ainda para acomodar os antigos governadores que a sua governação tenha sido ruinosa e para não passar uma humilhação de estar em casa, é colocado num “Parlamento” para gerir recados do seu Partido, em troca goza de imunidade de seus pretéritos crimes... Em ciência política isto chama-se “solidariedade partidária”. No geral, os indivíduos que representam a expressão da colectividade, são técnicos e pessoas escolhidas pelo seu saber, experiencia e mérito, quer cultural, científico ou profissional. Em alguns lugares é por sufrágio directo. As funções deliberativas, as funções consultivas, as funções legislativas e as funções fiscalizadoras da Assembleia Nacional, no caso angolano, precisam que seus Deputados estejam dotados o suficiente para lá estar. Deveriam ser deputados excelentes. Temos alguns, mas são muito poucos. Em Angola só existe aquilo que a doutrina consagra como Parlamento de Partidos. Não temos Parlamento de Deputados eleitos em listas uninominais. “ Compreensivelmente, as modalidades de eleição dos Deputados determinam grandes diferenças na maneira como estes entendem o seu papel e exercem as suas funções de representação. É habitual em todo o mundo discernir entre parlamentos de deputados e parlamentos de partidos, entre parlamentos em que os Deputados gozam de grande autonomia e liberdade de voto e aqueles em que os deputados têm pouca autonomia e estão submetidos a uma disciplina de voto rigorosa”. No caso Angolano, são os partidos que disciplinam seus parlamentares e não o povo. Porque os nossos deputados não foram eleitos uninominalmente pelo povo mas sim pela sua fidelidade vertical ao Partido x ou y. O Deputado Angolano não recebe directamente ordens do suposto eleitor. Em Angola, mais ou menos podemos dizer que o mandatário do povo é o partido que candidatou e que fez campanha através do seu programa governativo e elegeu discricionariamente o deputado que achou conveniente da sua massa militante. Ai, o Deputado sabe que prestará conta aos eleitores por intermédio do seu partido e não directamente. Não temos em Angola nenhum deputado que seja o depositário directo da confiança e que tenha força política e metodologias técnicas, coerência moral para defender uma posição autónoma fora da sanção partidária. Em Angola também não temos o deputado politico aquele que encontra um ponto de convergência ou equilíbrio entre as exigências do partido e as exigências do eleitorado ou seja agradar a ambos. Por isso, o povo não consegue se sentir verdadeiramente representado e tal esvazia o conceito democrático de representatividade. O deputado eleito pelo Partido, representa os seus correligionários partidários e não o povo de Angola. Aquele que não tem partido, em Angola, presume-se que não tenha igualmente deputado que o represente no Parlamento. Se os nossos Deputados em Angola fossem eleitos pelo povo, pelo menos 50% deles, em listas uninominais, na sua essência os deputados constituiriam um microcosmo dos eleitores, ai os governantes seriam o reflexo vivo, o espelho dos governados. Os verdadeiros deputados do povo seriam aqueles que espelham fielmente o perfil de género, étnico, religioso, social, económico, profissional e geracional da população. Pelo menos em Portugal, América, Brasil, França, África do Sul, Espanha, Inglaterra isto é evidente, para o bem do seu Estado completamente personalista. Em Angola podemos descontar que pela história, não temos ainda capacidade para construirmos um Parlamento idêntico sociologicamente com o povo. O grave é o facto de o Estado não estar a trabalhar para o efeito. Verificamos que os Deputados assumem compromissos incluindo os de defender os programas dos seus partidos em discricionariedade completa, perdendo inevitavelmente o contacto e as ligações com o eleitorado em geral. Os deputados são manipulados pelos governantes em trocas de altos subsídios, recursos, cargos governativos pós-mandatos legislativos, ou mesmo a possibilidade de recandidatura ao Parlamento e a certeza de reeleição, os tornam indolentes, receptáculos passivos dos recados dos seus partidos de que devem cegamente defender em troca de “tachos” como se diz em Angola. O outro caso que nos interessa mencionar é a discreta modalidade de relacionamento entre os vários grupos parlamentares organizados em comissões em Angola (da 1ª à 10ª comissão) entre Partido Governante e Deputados da Oposição. Neste tipo de secretismo, as combinações são feitas por baixo da mesa, não se referindo a cargos nem governativos nem as questões constitucionais ou de políticas, mas sim pequenos subornos subterrâneos distribuindo recursos colectivos que servem para “amolecer” a oposição e tornar possível a mais rápida aprovação das leis polémicas a favor do Partido - Governo. Em Angola estes acordos são uma carreira de sobrevivência de partidos pequeninos como Nova Democracia - União Eleitoral que sempre caminha agarrada ao MPLA como um pequeno acólito indefeso e amador. A título de exemplo, durante as discussões da Constituição da Republica em 2009, a discussão da Lei contra a violência doméstica em 2011, a discussão da proposta de lei contra a criminalidade informática e finalmente a discussão do pacote legislativo eleitoral houve esses acordos subterrâneos com certos deputados provenientes de partidos da oposição. No polémico pacote eleitoral, a fonte noticiosa online  www.club-k.net no mês de Dezembro de 2011 veiculou uma notícia de que os lideres parlamentares foram subornados com viaturas de luxo para aceitar a proposta vinda do partido governante entre outras várias insuficiências dos Delegados.

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