CIENCIAS
SOCIAIS EM ANGOLA REALIDADE OU UTOPIA
O
FORDU-FORUM REGIONAL PARA O DESENVOLVIMENTOUNIVERSITÁRIO PROMOVEU UMA REFLEXÃO-MESA
REDONDA SOBRE A SITUAÇÃO DAS CIENCIAS SOCIAIS EM ANGOLA
1.INTRODUÇÃO.
Desde os tempos
imemoráveis da história da humanidade houve reflexão sobre a inteligência do
homem, a configuração e o fluir das sociedades, suas possibilidades, seus
condicionalismos. No geral essa reflexão resulta de vários factores onde podemos
destacar o seguinte: informação religiosa sistematizada em textos ou não,
informação filosófica quer formal quer não formal resultante da sabedoria
popular, e as tradições orais. Tudo o que hoje o mundo se orgulha como seu
património cognitivo no campo de ciências sociais resulta dessas três fontes.
Por sua vez a ciência foi sempre proclamada como sendo a descoberta da
realidade objectiva através do recurso a um método que nos permitia sair para
fora da mente, ao passo que aos filósofos se não reconhecia mais do que a
faculdade de cogitar e de escrever as suas lucubrações. Esta visão da ciência e
da filosofia foram afirmadas mais claramente no seculo XIX por Comte e Mill.
Assim a maior sistematização interdisciplinar das ciências sociais ocorreu no
século XIX sobretudo na Grã-Bretanha, na França, na Alemanha, na Itália e nos
Estados Unidos da América. As disciplinas mais avançadas neste campo eram a
História, Economia, Sociologia, Ciência Política, Antropologia. As ciências
orientais embora engrossassem a lista não eram consideradas ciências sociais.
Ao longo da história os
estudiosos dedicaram-se a classificar os estudos sistematizados em ciências humanísticas por
exemplo a filosofia e a teologia que embora fossem percursoras das ciências
sociais, não se enquadravam nas ciências sociais; ciências ideográficas como por exemplo a história e a
geografia; ciências matematizadas como
a própria matemática, a química, a física etc, ciências naturais como a Biologia, a Astronomia etc, e finalmente as ciências nomotéticas que são ciências sociais por excelência
tais como: Sociologia, Ciências Políticas, Economia etc.
A sociologia se torna ciência por excelência a partir do axioma de Émile
Durkheim: “ os factos sociais devem ser
estudados como coisas” ou seja Segundo Durkheim, Facto Social seriam
maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, e dotadas de um
poder coercivo. Não podem ser confundidos com os fenômenos orgânicos nem com os
psíquicos, constituem uma espécie nova de fatos. São fatos sociais: regras
jurídicas, morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros, maneiras de agir,
costumes, etc. Existe também as correntes sociais, como as grandes
manifestações de entusiasmos, indignação, piedade, etc. Chega a cada um de nós
do exterior e não tem sua origem em nenhuma consciência particular. Têm grande
poder de coação e são suscetíveis de nos arrastar, mesmo contra a vontade.
As ciências políticas se
tornam de facto ciências a partir do momento em que define o Poder, a sua
aquisição e manutenção como seu objecto, embora remontasse a Platão e
Aristóteles e outros pensadores da antiguidade clássica, mas o pensamento
Político moderno deve a sua consagração ao Nicolau Maciaveli;
A Economia enquanto
ciência parte dos postulados de Adam Smith sobretudo com a teoria de “Mão
Invisível” e a teoria da oferta e procura.
A Antropologia não era
estudada como qualquer ramo da ciência cientificamente fundamentada porque através
de métodos etnográficos a Antropologia se dedicava a estudar os povos rotulados
ou estigmatizados como sendo bárbaros e atrasados sobretudo da Africa e do
Oriente de cuja estrutura rudimentar pré-estatal seria primeiro o clã, depois o
bando, depois a tribo. Comunicava-se através de dialectos que não preenchiam os
requisitos linguísticos universais. Tradicionalmente embora a antropologia
estivesse ligada fundamentalmente ao estudo das sociedades consideradas
arcaicas, através de método etnográfico que consistia em o estudioso se inserir
na comunidade em estudo com a premissa de distancia geográfica e cultural para
melhor aferir diferenças nos modelos de parentesco, nos usos, costumes,
tradições etc, as ciências sociais como Sociologia, Economia, Ciências
políticas se tornaram ciências pelo facto de possuírem postulados que as
enquadrassem na classificação de ciências sociais regidas por leis próprias.
Neste trabalho dedicar-nos-emos a analisar se de facto existe em Angola algum
estudo sistematizado sobre ciências sociais, nos dias que correm. Porque,
tradicionalmente as ciências sociais sempre se centraram muito na noção de
Estado, no sentido em que era aos Estados que se ia buscar os enquadramentos em
que tinham lugar os processos analisados pelas ciências sociais. A antropologia
cujos estudiosos maioritariamente padres, bem como os estudos orientais estavam
ligados a Africa e a Asia considerados pelo Ocidente como sociedades arcaicas. Depois
de 1945, com o fim da II Guerra Mundial, com o surto de estudos por áreas e com
o consequente alargamento do domínio empírico da história e das três ciências
sociais nomotéticas referidos atras, ao mundo não ocidental, essas regiões não
ocidentais passaram a ser também objecto de análises estadocêntricas.
2.A perspectiva das ciências sociais de Angola sob o domínio
colonial
Ao longo de 500 anos
Angola era uma colonia de Portugal, cuja ligação se prendia fundamentalmente a
exploração de recursos naturais, trocas comerciais e materialmente uma educação
limitada ao entendimento do cristianismo com o fim fundamental de
envangelização e sacramentalização das pessoas para uma transição de “gentios”
para gente “civilizada”. Não houve durante o período colonial qualquer estudo
sistematizado, investigação científico ligadas a instauração de ciências
sociais em Angola. de um lado, porque a tradição investigativa de então
entendia que o estudo, a sistematização de experiencias, a classificação e
legitimação das ciências ligavam-se aos Estados. Ora Angola era uma sociedade
sem estado autónomo mas sim uma possessão de Portugal política, económica,
social e culturalmente através das políticas de assimilados, e sendo assim não
se poderia imaginar ser possível encontrar-se em Angola recursos científicos de
estudos autónomos, numa sociedade sem Estado e ou pertencente ao Estado
englobante (Portugal como Metrópole e as Colonias como províncias ultramarinas).
Nessa altura (período colonial), Portugal centralizava numa instituição com
sede em Lisboa a JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO ULTRAMAR (JIU) toda a investigação
relativa a Africa. Nas colónias existiam alguns centros com investigadores
portugueses sendo os melhores eram os de Luanda e Bissau. Sendo que a economia
faz parte das ciências sociais como foi classificada acima, a Junta de
Investigação do Ultramar, enviava missões especiais de estudos e investigações
fundamentalmente no sector da agricultura, pescas ou problemas laborais
relativos à mão-de-obra. Os artigos eram publicados na revista do Organismo
citado. Estava-se na era da Ditadura repressiva de Salazar. Embora se fizesse
significativas investigações e estudos no campo das ciências naturais, as
ciências sociais estavam sujeitas a constrangimentos políticos decorrentes da
ideologia política do regime Português da época e dos limites formais,
materiais e orgânicas das Colónias. A qualidade dos investigadores reservavam
fortes dúvidas e a validade científica dos dados era realmente duvidosa. Porem
a geografia humana, a história como ciências ideográficas haviam dados passos
importantes. Nessa mesma altura, na Argélia, os angolanos aí exilados haviam
criado um Centro de Estudos Angolanos que estiveram na origem dos Cadernos
Angolanos que compreendiam os vários artigos de caracter político-económico. O
objectivo desses estudos e reflexões eram como é óbvio, equipar, municiar a
luta pela Independência. Mário de Andrade entre 1940 e 1950 veio a
apresentar-se como um clássico em vários textos concisos de reflexão. As
Antologias (literatura sobretudo poesia e prosa) que reforçavam a consciência
de luta anticolonial e todo o manancial social, sociológico e económico com
alguma tendência política são veiculados por estes textos de esforço
individual. Luandino Vieira suas obras traziam um manancial sociológico
reconhecido. A década de 50 do século XX em Angola fora marcada pelo surgimento
em Angola dos primeiros movimentos sociais de caracter político-partidários que
eram faccões que vieram a evoluir para partidos políticos pró-independência.
Infelizmente no campo da ciência, estes movimentos não surgiram directamente
como fruto de estudos científicos mas sim como movimentos populares em busca de
liberdade. Os seus manifestos tão sintéticos gravitavam apenas num único
objectivo que é conquistar a independência e instaurar uma Nação Independente.
E depois da Independência? “Veremos o que fazer mais tarde”!
3-Ciências Sociais na Angola independente mas de Ideologia
Comunista
Em 1975 Angola alcançou
a Independência, optou por instaurar no País Novo, o Socialismo científico e o
comunismo. Cientificamente o Comunismo e o Socialismo dimanavam do pensamento
social de Karl Marx aprofundada por Vladimir Lénine e seguido por Joseph
Staline. Economia era o motor do Marxismo. Porque entendia-se que a posição
económica de cada pessoa define a sua classe social e portanto acabar com a
desigualdade económica eleva as pessoas aos níveis desejados de felicidade e
para tal os proletários de todo mundo, deveriam unir-se para derrubar a
burguesia exploradora. Este velho sonho deveria desencadear em Angola, as
investigações em ciências socias para se identificar as variações societais
como exclusão, assimetrias, as modalidades e intensidades de produção e
distribuição. Devido a ideologia comunista então haveria forte necessidade de
se instaurar o estudo em ciências políticas para se entender a amplitude das
ideologias e o seu impacto no poder e no sem poder e no contra-poder. As coisas
depois da independência não mudaram, tal como em tempo colonial, depois da
independência o sector de ciências sociais não progrediu em nada. Criou-se em
Angola a escola de quadro do Partido Único. É nessa escola onde se aprendia
alguns rudimentos de sociologia alicerçada em Marx e nunca nas mundividências
conflituais que fazem “o motor da história”, aprendia-se nas escolas do Partido
Único os rudimentos de Economia estatizada e colectivizante e nunca a
concorrência livre de mercado como a profecia de Adam Smith sugeria.
Estudava-se o comunismo (democracia popular centrada no Partido e nunca no
Estado) todas essas opções limitaram o florescimento das Ciências sociais. A
faculdade de arquitectura em Luanda, ensinava sociologia como cadeira e nunca
como curso. Havia a faculdade de economia cujo curriculum era fortemente
censurado pelo Partido Único que possuía o monopólio desse saber social. A
deturpação ou eufemisticamente o enviesamento das ciências sociais em Angola
consistia em que Sociologia se confundia com ideologia Marxista; economia
confundia-se (confunde-se) com a gestão de coisa meramente técnica orientada a
emprego imediato e não a investigação em Economia. A ausência de liberdade em
Angola, a orientação e tutela política em Angola e a pressão psicológica, são
incompatíveis com a investigação científica por isso a maior parte de produção
científica em Angola é feita pelos estrangeiros residentes em Países livres.
Concluindo, nos primeiros 16 anos a seguir a independência, verificou-se que em
Angola, o “condicionalismo” ideológico-político, foi o obstáculo fundamental ao
desenvolvimento da investigação científica em ciências sociais. Salienta-se que
Carlos Dilolwa escreveu individualmente obras valiosas no sector económico.
Pepetela no sector de Antropologia cultural e política de libertação nacional
(Mayombe) escreveu obras literárias de valor sociopolítica muito importante,
bem como outros autores importantes como Henriques Abrantes (Akonkava Difeti,
Ruy Duarte de Carvalho, Arlindo Barbeiros e Henrique Guerra são referencias
quer na antropologia, na cultura e na política. Salienta-se que o programa de Saneamento Economico e Financeiro do
Governo da RPA (SEF) igualmente policopiara conteúdo de valor cientifico muito
útil. Porém as ciências políticas continuaram totalmente sensíveis e não se
avançou qualquer estudo autónomo senão os conteúdos sociológicos da Guerra
Civil, dos Acordos de Paz, das Revisões Constitucionais e produção legislativa
posterior sem ligação alguma com a cientificidade universitária. Em 1992 Angola
possuía 127 Partidos Políticos dos quais 12 Tinham Assentos no Parlamento,
Angola possui sindicatos e movimentos sociais, cívicos e políticos porém Angola
nunca teve escolas de ciência política com produção cientifica acabada pelo
menos conhecida. Por isso o sector Político ainda é movido pela intuição
empírica dos cidadãos que pretendem uma melhor participação na vida pública e
talvez atingir o Poder Político.
4-Ciencias Sociais no Contexto da Democracia angolana e da Reforma
educativa
Em 1992, com o fim
(suposto) do partido Único e com ele o fim da economia planificada, o fecho das
escolas do Partido, e a retirada nos currículos escolares da Cadeira de
Ciências sociais entendidas como Marxismo-Leninismo, instaura-se em Angola a
era de investigação científica em ciências sociais.
Actualmente existe,
vários estudos em Economia, em Antropologia, em Sociologia, em Psicologia, em
sociologia política ligada sobretudo a geografia eleitoral mas tudo de forma
embrionária ligadas aos interesses do Estado/Governo. Por isso não existe uma
produção científica em Ciências Sociais com margem de discricionariedade sem
interferência directa ou indirecta da Tutela Política. Surgiu a
descentralização das Universidade Públicas. Actualmente Angola possui 7 Regiões
Académicas correspondentes a 7 Universidades Públicas: Universidade 11 de
Novembro, Universidade Agostinho Neto, Universidade Lueji a Konte, Universidade
Katyavala Buila, Universidade Mandume ya Mdemufayo, Universidade Kimpa Vita e
Universidade José Eduardo dos santos.
Particularmente a Universidade
José Eduardo dos Santos que está presente no Huambo, Bié e Moxico, possui
faculdades de economia, direito, ciências agrárias, medicina, medicina
veterinária e os institutos superiores politécnicos ligadas as engenharias
informáticas, enfermagem, construção civil e arquitectura não possui nenhum
curso de ciências políticas nem sociologia nem letras. Outras Universidades
Públicas estão igualmente mais direccionadas a providenciar saberes que habilitem
os seus frequentadores em conhecimentos profissionais de acesso ao trabalho
remunerado e pouca investigação científica. Angola não dedica grandes verbas a
investigação científica em ciências sociais porque ainda entende-se que as
ciências sociais estimulam o pensamento que escape à tutela política central.
CONCLUSÃO.
Com a velocidade
galopante da produção científica no mundo e na Africa, Angola do ponto de vista
de ciências sociais está a efectuar uma marcha para trás.
No contexto da
Globalização, a produção científica, o conhecimento, apresentam-se como a
riqueza das nações. Vivemos um tempo de uma produção cultural acelerada, de
sorte que, o saber acumulado hoje, amanhã já não serve muito os desafios
do momento; novo saber será solicitado. Por outras palavras, “o conhecimento é
degradante e a ignorância é uma constante”. Em Angola existe porém um
entendimento luxuriante e demasiado vaidoso sobre o que é uma Universidade. O
que é mesmo uma Universidade? A Universidade é a mais alta e qualificada oficina
de produção de conhecimentos. Conhecimentos que se deve colocar ao serviço da
sociedade na sua dimensão multifacetada. A Universidade é o corpo corporativo,
arredios da mudança. A riqueza das nações, no século XXI já não repousa nos recursos minerais. Não repousa no poder da
força; antes repousa no conhecimento, na massa cinzenta cujo motor são
indiscutivelmente as ciências sociais. A Universidade busca competências e
competitividade para formar homens e mulheres a altura das reais e mais ousadas
exigências da nossa sociedade e do mundo e Angola para sobreviver como campo
cientifico, como Estado, como Economia que cresce ancorou sua intervenção
sociológico nos recursos humanos estrangeiros sobretudo. Parafraseando Mia
Couto, este escritor Moçambicano, intelectual impertinente, de que Angola e
África necessitam, ele falava para os finalistas da Universidade Técnica de
Moçambique e faço das palavras dele as minhas: “ estamos perante uma geração
dos estudantes universitários. Esta nova
geração tem por vezes menos conhecimentos que as gerações anteriores e mais
oportunidades do que as gerações também anteriores e menos desafios do que as
gerações por vir: mais do que uma geração
tecnicamente capaz, nós necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica.
Uma juventude capaz de repensar o País e o mundo. Mais do que gente preparada
para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas. Angola neste
momento não precisa apenas de caminhar. Necessitam, acima de tudo, de descobrir
o seu próprio caminho num tempo enevoado e num mundo sem rumo, investindo
fortemente na investigação científica ancorada na realidade de Angola,
cuja ceiva catalisadora sejam as
ciências sociais. A bússola dos outros não serve, o mapa dos outros não ajuda.
Necessitamos de inventar os nossos próprios pontos cardeais. Interessa-nos um
passado que não esteja carregado de preconceitos, interessa-nos um futuro que
não nos venha desenhado como uma receita financeira.
A Universidade deve ser um centro de debate, uma fábrica de cidadania
activa, uma forja de inquietações solidárias e de rebeldia construtiva. Isto só
é possível acionando as engrenagens da Sociologia, da Ciência Política e da
Economia como o chão onde brotam outras áreas do saber como Augusto Comte
Dizia: a Sociologia é a mãe de todas as ciências porque estuda a sociedade onde
outras ciências devem dimanar. A Universidade Angolana não pode aceitar ser
reprodutora da injustiça e da desigualdade social bem como de reprodução de
recalcamentos científicos que a história sempre nutriu. Por isso, embora a
perspectiva das ciências sociais em Angola não vislumbrem luz bastante no
Horizonte, pelo menos as Universidades privadas deverão produzir mais, deverão
desencadear estudos, apoiar iniciativas de investigação científica e
institucionalizar prémios de investigação em ciências sociais destinados aos
estudantes que se destacam nessa área bem como aos professores perspicazes em
matéria de investigação científica.
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