ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA ANGOLANA AVANÇOS E RETROCESSOS
O FORDU-FORUM
REGIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO UNIVERSITÁRIO PROMOVEU UMA MESA-REDONDA SOBRE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM ANGOLA-AVANÇOS E RETROCESSOS NO ÂMBITO DA NOVA
CONSTITUIÇÃO
1.1-ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE ANGOLA
PRÉ E PÓS-COLONIAL
Angola
é uma República baseada na soberania popular desde Novembro de 1975. Antes de
1975, mais propriamente, em várias fases históricas da Colonização Portuguesa
de Angola desde 1482, administrativamente Angola tinha o estatuto de Colónia e
como tal não possuía uma administração pública autónoma. Portugal se tornou uma
República a partir de 1911 porém foi a partir da Constituição de 1933, com a
emergência do Estado Novo em Portugal que se volta a definir claramente o
estatuto das colónias administradas a partir da Metrópole. Angola era uma
“Província Ultramarina” desconcentrada do poder Central em Portugal; porém por
se tratar de Colónia povoada por pessoas consideradas indígenas, desprovidas de
direitos de cidadania, a administração não se obrigava a reconhecer, garantir,
proteger e satisfazer os direitos subjectivos dos cidadãos, mas apenas
prosseguir os fins político-administrativos decorrentes do objectivo estratégico
da colonização. Assim 1975 é juridicamente considerado o ano em que se instaura
a era da Administração Pública de Angola, decorrente do momento político de
proclamação da Independência enquanto República Soberana, e que a realização do
Estado Angolano passa pelos compromissos institucionais de garantias e
liberdades fundamentais e a Administração Pública surge como o instrumento
viável através do qual o Estado enquanto colectividade política suprema realiza
os seus fins fundantes que o enforma: cultura, segurança e bem-estar. Para da
justiça que é administrada por um poder à parte, a segurança, a cultura e o
bem-estar económico e social, são materializadas pela Administração Pública.
Todavia na 1ª República (República Popular de Angola) a administração Pública
era do tipo socialista, decorrente do sistema de governo de então. Por força da
ideologia marxista adoptada, o monopólio administrativo é do Partido
Governante. Aí o conceito de coisa pública limitada pela ideologia centralista.
Este regime político conheceu o seu fim em 1991 com a aprovação da Revisão
Constitucional de Maio de 1991 e da 2ª Revisão Constitucional de 1992 através
da lei 16/92 de 23 de Setembro. Esta era inaugura em Angola a Administração
Pública derivada da soberania popular que se realiza através da democracia
representativa.
1.2-ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA NA ERA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Sabemos que dentre vários conceitos de
Estado, é aceitável que este seja Povo e que para realizar os seus interesses
de Justiça, Segurança e Bem-Estar se assenhoreia de um Território (de que se
arroga titular); para a correcta harmonia e consolidação do estado social que
supere o puro instinto natural, estatui normas que enforma a autoridade e se
sujeita a cumpri-las. Ora, o Estado enquanto corpo colectivo (conjunto de
pessoas definidas como cidadãos) se realiza na Administração Pública. Esta é
obviamente a corporização da Res-Pública ou seja a Administração é a parte
estadual e não só, de gestão da coisa de todos, para a plena satisfação dos interesses
igualmente de todos. Por isso, a Administração Publica enquanto agência de
gestão dos bens do Estado, está dividida em vários organismos. Maioritária mas
não unicamente estaduais ou seja a Administração Pública não se esgota apenas
no Estado comporta muitas outras entidades e organismos que têm personalidade
própria e que não se confunde com o Estado. É o caso por exemplo dos institutos
públicos, as universidades, as empresas públicas, as associações públicas.
Juntamente com as instituições estatais definem as políticas públicas que
concorrem para a satisfação completa das necessidades da colectividade. As
fronteiras administrativas internas incluem os limites fronteiriços geográficos
internos e a sua estrutura geográfica mais típica é a Província (18 províncias
em Angola), o Município (164 Municípios em Angola) a Comuna (557 Comunais em
Angola). Abaixo da Comuna existe a povoação nas zonas rurais e o bairro nas
zonas urbanas, que não está claramente bem definida a autoridade que rege o
Bairro e a Povoação, na estrutura da
administração pública; muitas vezes o
Estado é preenchido por uma espécie de poder informal ligada ao poder
consuetudinário (a figura do regedor ou soba nas zonas rurais) e por vezes o
Coordenador do bairro ou de zona nos bairros periurbanos e urbanos. Numa
estrutura piramidal a existência de um figurino administrativo começa com a
província, o município, comuna, bairro, “artigo
55º da LC da República de Angola”, é o conjunto de municípios que serve
de base a Província, o conjunto de comunas ao município, dos bairros e povoações à comuna. A Província é o espaço
administrativo local com estruturas mais sólidas, recursos humanos e cabe a ela
ser o órgão máximo de Governação local, o Governo Provincial, órgão colegial
local, dirigido por um governador nomeado pelo Chefe do Executivo.
Tendo em conta a divisão política do Estado,
o paradigma atende ao modelo de uniformidade das estruturas existentes nos
órgãos locais da Administração Pública vivificado pelos Governos Provinciais,
Administrações Municipais e Comunais, resultante dos princípios e normas de
organização e funcionamento dos órgãos periféricos, consignados no decreto-lei
n 2/07, de 3 Janeiro, acima referido e descrito no decreto-lei n 9/08 de 25 de
Abril ².
1.3-A TRÍPLICE TEMPORAL
FUNDAMENTAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ANGOLANA (EPÍTOME)
A seguir a
Independência de Angola em 1975, o Estado inspirado na Revolução Soviética de
1917 (Revolução de Outubro) definiu, na Constituição da República Popular de
Angola, o Estado Socialista que se deve realizar através da aliança entre
operários e camponeses (Administração Pública). O artigo 2º da Constituição
desse tempo preceituava que “ o MPLA-Partido do Trabalho constitui a “
vanguarda organizada da classe operária” e cabe-lhe “ como partido
marxista-leninista a direcção política, económica e social do Estado nos
esforços para a construção da sociedade socialista”. Neste caso, a
Administração Pública deriva do interesse supremo do Partido Governante e não
da vontade do povo expresso em alguma forma universal de representatividade. Neste
tempo os Órgãos de Soberania seriam o Presidente da República, a Assembleia do
Povo e Assembleias Populares nas Provincias, os Tribunais Populares e o Poder Executivo
representado pelos ministros e os comissários, porém os órgãos de soberania não
actuavam de forma intelectualmente sustentável sem o endosso do Partido que os
supervisionavam, decorrente da ideologia marxista-leninista. À rigor
científico, havia limites formais, orgânicas e materiais de Administração
Pública, e era claramente centralizada no Partido, por sua vez o Partido girava
em Torno do Presidente do Partido ou Secretário-geral do Partido.
ü De 1991 até 2010,
decorrente da 1ª e 2ª Revisão Constitucional como imperativo dos Acordos de
Bicesse, surge a realização dos direitos económicos, sociais e culturais livres
(desconcentrados) e surge o espaço dos direitos civis e políticos a par das
liberdades e garantias individuais, o sufrágio universal, os partidos plurais
de massas, o alargamento dos fins do Estado, o surgimento dos movimentos de
pressão e opinião pública. Este contexto nobre e novo, alastra consigo os
desafios da Administração Pública e surge um crescimento sem precedente da
Administração Pública mas ainda assim existe uma fortíssima centralização desse
poder com ligeira desconcentração através das delegações provinciais e
municipais, tuteladas centralmente. Neste tempo com um sistema
semipresidencialista ou sistema híbrido, existia claramente 4 Órgãos de
Soberania independentes e com esforço visível de aplicação do principio de
separação de poderes (checks and balances):
o O Presidente da
República como Chefe de Estado e Comandante em Chefe das Forças Armadas;
o Poder Executivo
liderado pela figura de um 1º Ministro enquanto Chefe de Governo (chefe do
executivo) que preside ao Conselho de Ministros e presta contas e informações
regulares ao Parlamento (accountability) (Administração Pública por
excelência);
o O Poder Legislativo
enquanto Órgão representativo do Povo e ao mesmo tempo órgão legiferante por
excelência;
o E afinal o Poder Judicial que zelaria pela
correcta aplicação da norma num Estado de Direito. Nessa altura a Administração
Pública estava intelectualmente localizada e distinta dos outros órgãos de
soberania.
ü De 2010 para cá, o
formato da Administração Pública é aquele que é definido pela Constituição da República
de Angola, aprovado em Fevereiro de 2010. Assim iremos nos deter na
Constituição da República para exaurirmos os preceitos aí consagrados, que
definem os limites, as extensões da Administração Pública bem como os seus
sujeitos. Esta análise é legitimada pelo contexto político-jurídico de Angola
em que toda a vida política é formalmente assistida de uma legislação
apropriada e que toda a legislação é suposto que seja dimanada da Constituição
que as superentende. Assim os artigos 198ºss da Constituição da República de
2010 define a estrutura da Administração Pública:
TÍTULO V- ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 198.º (Objectivos e princípios fundamentais)
1. A administração
pública prossegue, nos termos da Constituição e da lei, o interesse público,
devendo, no exercício da sua actividade, reger-se pelos princípios da
igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização,
probidade administrativa e respeito pelo património público.
2. A prossecução do
interesse público deve respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos
dos particulares.
ARTIGO 199.º (ESTRUTURA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA)
A administração
pública é estruturada com base nos princípios da simplificação administrativa,
da aproximação dos serviços às populações e da desconcentração e
descentralização administrativas.
2. A lei estabelece
as formas e graus de participação dos particulares, da desconcentração e
descentralização administrativas, sem prejuízo dos poderes de direcção da acção
da Administração, superintendência e de tutela administrativas do Executivo.
3. A lei pode criar
instituições e entidades administrativas independentes.
4. A organização, o
funcionamento e as funções das instituições administrativas
independentes são
estabelecidos por lei.
5. As entidades
privadas que exerçam poderes públicos estão sujeitas à fiscalização dos poderes
públicos, nos termos da Constituição e da lei.
ARTIGO 200.º (DIREITOS E GARANTIAS
DOS ADMINISTRADOS)
1. Os cidadãos têm direito
de ser ouvidos pela administração pública nos
processos
administrativos susceptíveis de afectarem os seus direitos e interesses
legalmente protegidos.
2. Os cidadãos têm direito
de ser informados pela administração sobre o andamento dos processos em que
sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as decisões que sobre
eles forem tomadas.
3. Os particulares
interessados devem ser notificados dos actos administrativos,
na forma prevista por
lei, os quais carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou
interesses legalmente protegidos.
4. É garantido aos
particulares o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem
prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança e defesa, ao
segredo de Estado, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
Em
Angola tem-se ensaiado a Desconcentração e Descentralização Administrativa
desde o Decreto nº17/99 de 29 de Outubro até ao Decreto-lei n 2/07 de 3 de Janeiro como fase propedêutica a consagração em Angola do Poder Local.
Neste Campo igualmente a Constituição Nova da Republica de Angola fixa o
seguinte:
ARTIGO 201.º (ADMINISTRAÇÃO LOCAL
DO ESTADO)
1. A Administração
local do Estado é exercida por órgãos desconcentrados da Administração central
e visa assegurar, a nível local, a realização das atribuições e dos interesses
específicos da administração do Estado na respectiva circunscrição
administrativa, sem prejuízo da autonomia do poder local.
2. O Governador
Provincial é o representante da administração central na respectiva Província,
a quem incumbe, em geral, conduzir a governação da província e assegurar o
normal funcionamento da Administração local do Estado.
3. O Governador Provincial
é nomeado pelo Presidente da República, perante quem responde politica e
institucionalmente.
4. A organização e o
funcionamento dos órgãos da Administração local do
Estado são regulados
por lei.
Ainda
a esta nova Constituição reforçou o poder do Presidente da República enquanto
Órgão de Soberania, com o Poder Executivo que é outro Órgão de Soberania.
Assim, na figura unipessoal do Presidente da República reside todo o manancial
administrativo público através desses Poderes constitucionalmente reconhecidos,
conferidos e protegidos:
Regressando
um pouco, sempre nas sendas da Constituição vamos olhar um pouco para as
atribuições do Presidente da República, enquanto titular o Poder Executivo
ARTIGO 120.º
(Competência como titular do Poder Executivo)
Compete
ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo:
a) Definir a
orientação política do país, nos termos da Constituição;
b) Dirigir a política
geral de governação do País e da Administração Pública;
c) Submeter à
Assembleia Nacional a proposta de Orçamento Geral do Estado;
d) Dirigir os
serviços e a actividade da Administração directa do Estado, civil e militar,
superintender a Administração indirecta e exercer a tutela sobre a
Administração autónoma;
e) Definir a orgânica
e estabelecer a composição do Poder Executivo;
f) Estabelecer o
número e a designação dos Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado
e Vice-Ministros;
g) Definir a orgânica
dos Ministérios e aprovar o regimento do Conselho de Ministros;
h) Solicitar à Assembleia
Nacional autorização legislativa, nos termos da presente Constituição;
i) Exercer iniciativa
legislativa, mediante propostas de lei apresentadas à Assembleia Nacional;
j) Convocar e
presidir às reuniões do Conselho de Ministros e fixar a sua agenda de
trabalhos;
k) Dirigir e orientar
a acção do Vice-Presidente, dos Ministros de Estado e
Ministros e dos
Governadores de Província;
l) Elaborar
regulamentos necessários à boa execução das leis.
Nesta
Nova Constituição, o Conselho de Ministro enquanto órgão colegial de definição
estratégica da Administração Pública, surge como mero conselho auxiliar do
Presidente da República: (artigo 134º da Constituição)
SECÇÃO V-ÓRGÃOS AUXILIARES DO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Artigo 134.º (Conselho de Ministros)
1. O Conselho de
Ministros é um órgão auxiliar do Presidente da República na formulação e
execução da política geral do País e da Administração Pública.
2. O Conselho de
Ministros é presidido pelo Presidente da República e é integrado pelo
Vice-Presidente, Ministros de Estado e Ministros.
3. Os Secretários de
Estado e os Vice-Ministros podem ser convidados a participar das reuniões do
Conselho de Ministros.
4. Compete ao
Conselho de Ministros pronunciar-se sobre:
a) A política de
governação, bem como a sua execução;
b) Propostas de lei a
submeter à aprovação da Assembleia Nacional;
c) Actos legislativos
do Presidente da República;
d) Instrumentos de
planeamento nacional;
e) Regulamentos do
Presidente da República necessários à boa execução das leis;
f) Acordos internacionais
cuja aprovação seja da competência do Presidente da República;
g) Adopção de medidas
gerais de execução do programa de governação do Presidente da Republica;
h) Demais assuntos
que sejam submetidos à apreciação pelo Presidente da República.
7. CONCLUSÃO
(Desconcentração e Descentralização Administrativa, Poder Local
de Autarquias na perspectiva angolana
O Sistema de Governo Presidencialista que a
Constituição da República de Angola sintetiza, coloca toda a Administração
Publica na Responsabilidade pessoal do Presidente da República enquanto Chefe
do Executivo. O próprio Executivo aparece com a forma de “órgãos de apoio” ao
Chefe do Executivo. Significa que toda a Administração Pública em Angola se
realiza porque passa pelo Presidente da República que a enforma, anima e
avalia.
A Assembleia da República não tem Autonomia
material de fiscalização do Chefe do Executivo na implementação da
Administração Pública
Pelo facto de a Administração Pública gozar
do privilégio de execução prévia o Poder
Judicial não tem uma intervenção directa nos actos administrativos exepctos na
fiscalização da legalidade e eventualmente na salvaguarda dos direitos
fundamentais dos cidadãos e mais alargado, no caso de contenciosos
administrativo.
Pela ausência em Angola de Tribunais
Administrativos, então todos os ilícitos administrativos e de meras ordenações
são dirimidos pela própria administração e por vezes chegam aos tribunais
comuns na perspectiva civil e administrativo ou criminal.
DO PODER LOCAL E DA ADMINISTRAÇÃO DESCENTRALIZADA
Os
artigos 213ºss da Constituição da República condensam todo o manancial de
partida para a consagração do Poder Local e das Autarquias. As Autarquias e o
Poder Local são actualmente embrionárias mas ensaiados com a desconcentração e
descentralização administrativa que está em curso desde 1999 com a
transformação de algumas delegações em direcções e o reforço do Poder dos
Governos Provinciais com uma margem de discricionariedade na gestão da coisa
local. Porém é obvio que não estão suficientemente criadas as condições
propícias ás autarquias sustentáveis se tivermos em conta que ainda não se
atingiu a plenitude de exercício de cidadania e idoneidade
politico-administrativo dos cidadãos sobretudo nas zonas rurais. Esta tese é
reforçado pelo défice de democracia participativa e progressista, bem como a
incidência da pobreza, o fenómeno da corrupção e clientelismo, patrimonialismo
e a fraca transparência na gestão da coisa pública. Todas essas insuficiência
ainda reprensetam o handcap para a implementação cabal das autarquias e poder
local.
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