A CRÓNICA DO KILAMBA:
UMA BOA PELE MAS CHEIA DE LACUNAS
Neste fim-de-semana terminei a visita
de 10 dias que efetuei à nova e mais jovem Cidade do Kilamba, no Município de Belas ex-Kilamba Kiaxi; cuja construção e publicidade venho a
acompanhar desde 2008.
Os presidentes, diplomatas
estrangeiros e empresários de renome internacional, que visitaram Angola, nos últimos
6 anos foram arrastados contra sua vontade, a ver a Centralidade do Kilamba
mais admirável do que a Grande Muralha da China ou o Coliseu de Roma ou pelo
menos as Pirâmides do Egipto ou a Torre Eiffel de Paris, embora não brilhasse
muito como tal. Pelo menos, Jacob Zuma, Excelentíssimo Presidente da África do
Sul e outros líderes emocionais africanos babavam de euforia simulada só de
olhar para a inferioridade arquitectura da Centralidade.
Até alguns presidentes foram forçados
pela TPA, JA e ANGOP ironicamente a se pronunciar nos termos de que Kilamba era
de facto a melhor cidade do mundo. Cuja imponência e sumptuosidade seriam
exemplos a seguir na urgente requalificação de Nova Iorque e Manhattan, ou
Paris, ou Pequim, ou São Paulo ou pelo menos Barcelona. A Chancelar Alemã Ângela
Merkel deve ter sido a única visita em Angola que burlou os sedutores angolanos
que se desdobraram na diplomacia cavilosa de “paquerar” a Ângela a ir ver com
seus olhos o paraíso angolano, a cidade mais nova em Angola. Bento XVI, o 2º
Papa a pisar o solo angolano também conseguiu se livrar da visita febrilmente
imposta pelo Chefe do Executivo o Padre Supremo. Pelo menos José Ribeiro e
Artur Queirós os eloquentes Jornalistas do Jornal de Angola, nunca mais pararam
desde o lançamento da primeira pedra em dedicar laudes, vésperas e missas de
solenidade pela imponência da obra-prima do mundo moderno: o Kilamba.
Na verdade, Kilamba é uma lufada
fresca, um ar de alívio, é água do moringue depois de se atravessar o inferno
de engarrafamentos e poeiras dos “kalembas, Golfos, Morro-Bentos, Kazengas,
Kikolo, Munlevos, Kantintons, Coreia, Zambas II, Terra-Nova, Palanca, Popular,
Lumege, Avô-Kumbi, Estalagem, Mamã-Gorda, Ossos, Lixeira, etc” onde seus
moradores vivem um aterrador estágio para um milhão de Infernos. Neste universo
de masmorra, Kilamba sobressai brilhando mais que o Sol.
O projecto
da cidade do Kilamba, segundo me informaram no dia 31 de Agosto de 2008 quando
fui convidado a assistir ao lançamento da primeira pedra da construção da
Cidade, ela foi concebida para se desenvolver em três fases, com um total de 82
mil apartamentos, numa área de 54 quilómetros quadrados. Como viveiro da
urbanidade, civilidade, moralidade, conforto a Cidade do Kilamba seria o ponto
de partida para educar o cidadão de Luanda a viver como “gente”. Kilamba seria
apagador para apagar de Luanda a mente suburbana na sua relação com os resíduos,
a natureza e os outros equipamentos urbanos.
Mas antes
desse final de semana acompanhei alegre no dia 11 de Julho de 2011 a
inauguração da 1ª fase dessa Cidade. A primeira fase deste empreendimento foi
prevista “para alojar cerca de 19 mil pessoas em 115 edifícios, num total de
3.800 apartamentos, erguidos em padrão urbano com serviços públicos integrados,
como escolas e instituições financeiras. 48 lojas, parques de estacionamento,
paragens para transporte públicos, 24 creches, nove escolas primárias, oito
secundárias e cinquenta quilómetros de estradas, pretinhas de alcatrão nova que
na noite congela e de dia queima.
Seria obra-prima para cobiça, não fosse a regra
contrária!
Hoje, Agosto
de 2014, volvidos 3 anos desde a entrega da primeira fase, encontrei que os prédios
já correm velozes para a velhice. Tal azar é confirmada pelas garrafas de
cerveja e latas de refrigerantes tombadas silenciosas a ocuparem com suas cores
rutilantes o lugar do que seria o verde dos jardins. Os jardins apoquentados
pelo cacimbo e sem tratamento, têm a cor castanha e crateras agrestes, áridas e
desérticas como se fosse na Ilha dos Tigres no Namibe, o que revela sofrimento
de falta de cuidados e água fresca nas plantas.
Os parques
de estacionamento são bonitos que imitam as garrafeiras abarrotadas de Uísque e
conhaque no interior de cada prédio; só que o capim está la estacionado
primeiro, antes do carro chegar. Assim, a Cidade do Kilamba construída para ser
diferente de Luanda Velha, começa a recuperar a identidade de Luanda, sussurrando
nos ouvidos dos que lá buscam consolo dessas vidas calcinadas pela história
recente: Kilamba e Luanda é “Filha do Peixe, peixe é”! A sujidade é identitária.
Por ocasião
da minha visita à cidade onde permaneci 10 dias de observação doméstica urbana,
tive o azar de viver 4 dias interpolados sem luz. Na zona onde estava instalado, num apartamento, no 10º
andar subia e descia a escada pedindo água, porque sem luz, a água já não
conseguia escalar até ao meu 10º Andar. Isto também não era estranho se
tivermos em conta que “Um Só Povo e Uma Só Nação” significa escuridão para
todos; falta de água para todos, poeira para todos, falta de transportes
públicos para todos, falta de hospitais para todos aí está a nossa identidade
comum isto nos une mais do que a Bandeira da Repúblico. A Cidade do Kilamba
deveria ser uma excepção, não fosse os imperativos da regra.
A minha penúltima
noite, inexplicavelmente passei mal: hemorragia nasal, dor de cabeça
infernal e naquela noite senti todo o
tipo de dor que o corpo humano poderia acolher nos momentos mais lamentáveis,
fiquei definhado pela dor como um cachorro da própria cidade em referência. Mas
a minha infelicidade foi sem igual por se tratar de ser apoquentado pela doença
numa cidade sem água a correr nas torneiras, sem luz a iluminar a cloroquina,
sem rios de Deus como alternativas da
falta de Água do Estado. Sem luz os elevadores ficam apoderados por ratos como é regra nas velhas
cidades. Na esquina do elevador vi irónico
dois ratinhos zombeteiros riam a minha
aflição com seu barulho estridente, cujo coro era reforçado pelas cigarras,
grilos cuja inarmonia aumentava ainda mais a minha dor imparável o que também é
identitário em Angola onde quando um sofre outros circunda-o zombando. Assim,
teria que descer do 10º andar e passear noite adentro, com dores inimagináveis a
procura de uma clínica, posto médico ou centro de saúde, ou pelo menos um Kimbanda…
Mas na Cidade do Kilamba não existe nenhum hospital público ou privado, não há
clinica médica nem de pessoas nem de animais. Não há Kimbandeiros nem
curandeiros nem ervanários.
A Clínica
mais próxima fica há quase 4 ou 5 quilómetros do Kilamba: trata-se da Clínica
Caridade, ainda existe naqueles zonas o Hospital Geral de Luanda. Não faltam alguns
postos médicos e clinicas de nível inferior desses Pastores estrangeiros
ilegais que pensam que curam alguma ferida com anátemas sagrados; esses ali
soltos em todo no Palanca, Mabor, Mártires, Calemba, ou então descer lá nos
Benfica ou Prendas ou Lucrecia Paím ou Américo Boa Vida ou Ngangula a procura
de uma saúde que deveria estar à porta. Infelizmente Kilamba não tem nada disso…
Mas os mais
de 300 moradores com que conversei em 10 dias, clamam por um hospital público,
clinicas privadas, farmácias na Cidade do Kilamba. Este plano não faltou no
Projecto inicial mas a sua materialização ainda não aconteceu. Enquanto a
cidade do Kilamba espera por um hospital, as doenças e mortes podem contactar os
moradores todos os dias. Onde não há hospital evidentemente que não há casas
mortuárias. Onde se pode então encaminhar alguém que possa ter morte súbita!? Ou
o Chefe do Executivo pensa que por ser uma cidade nova e bonita ninguém mais
iria ficar doente ou morrer? Isto faz-me lembrar o que li algures num livro de
um político Português que dizia aquando da Independência de Angola: o Vaal Neto
gritou eufórico: “ isto está porreiro, com a Independência de Angola
conseguida, já não precisaremos mais trabalhar porque o Colono já deixou-nos tudo
o que precisamos”! Ledo engando! A saúde no Kilamba não pode ser conseguida por
meio de artes mágicas, urgentemente o Chefe do Executivo delibere verbas para
se construir o Hospital no mais urgente possível aí no Kilamba, pelo menos! Eu
não estou interessado a voltar a toca neste assunto.
Ainda na
centralidade do Kilamba notei que os fiéis deslocam-se distâncias imensas à
procura de igrejas para se reconciliar com seu Deus. Neste caso então os Padres e Pastores do Executivo, deveriam ser indicados a gerir
uma paróquia ou uma igreja para atender a espiritualidade dos moradores do
Kilamba sem buscar mais Deus nos confins do Cazenga e Viana. Não sei como é que aquele balcão
comercial chamada IURD não está lá
ainda! Há dinheiro no Kilamba, é hora da IURD abrir uma sucursal lá!
Governo deve
colocar Hospitais lá e incentivar o investimento privado em clínicas privadas compatíveis
com a publicidade da Centralidade e as igrejas que vejam lá…
A Centralidade
pela sua pureza, urbanidade, sanidade e seu nível social universitário, não é
permitido táxi “azul e branco” nem “kupapatas” nem “roboteiros” essa medida é
boa porque mantém a imagem de classe média e alta que não pode sujar os fatos
com os carros de baixo rendimento como azul e branco num mundo de ferrari,
lexus, cayenes, porchi, BMW, Mercedes, Limosines, Hummers etc.
Durante a curta
observação no Kilamba notei que todos os quarteirões possuem paragens de
transportes. Mas, infelizmente os autocarros da TCUL, TURA e Macon autorizados
a operar na Centralidade só atingem até à zona C. O que significa que todos os
moradores para se deslocarem a vontade precisam percorrer distâncias ao
encontro dos poucos autocarros na zona C, por serem poucos acabam enchendo como
se fosse um ovo, ou sardinhas na lata ou pães no forno, o que também é uma
identidade nacional.
A Cidado do Kilamba precisa uma linha de
autocarros em quantidade e qualidade que deve cobrir a cidade toda para que o
cidadão a descer do prédio dirige-se a paragem mais próxima de sua casa para
entrar num autocarro limpo e seco que ainda não existe em Angola. Mas “a
esperança é a ultima coisa a morrer”.
A polícia
opera nos contentores ou esquadras-moveis, pronto. Como a própria polícia já
não garante segurança nenhuma, tirando a tal gasosa ou propina este capítulo
vou saltar e nem me cingi a isto. A polícia em Angola é odiada e, ela, eludida
pensa que o povo lhe amam. Como poderia amar alguém tão “imbumbável” como a
polícia? Aberração!
“Na Cidade
do Kilamba estão planeadas infraestruturas destinadas aos serviços municipais
segundo um modelo que se propõe ser o embrião de ensaio da criação de
autarquias a nível do País, entre elas a futura Câmara Municipal, o Tribunal
Municipal e outros serviços”. Acho que as autarquias podem melhorar o problema
actual da saúde, educação, transportes colectivos urbanos ou rurais,
jardinagens e ambiente, desporto, segurança pública nessa Cidade e noutras.
Finalmente, depois de 10 dias na Cidade de Kilamba me
apercebi mais uma vez que é urgente construção do corpo legislativo que define
o complexo regulatório da realização das Autarquias em Angola para que à
semelhança da Cidade do Kilamba, os munícipes elejam seus dirigentes para
prover à seus habitantes de melhores condições de vida, que a depender tudo do Chefe
do Executivo a aprovação de simples verba para trocar o parafuso de uma
torneira mas absolutamente tudo centralizado, daqui há 10 anos a Cidade do
Kilamba vai estar no nível em que se encontram os Lotes do Prenda; os seus
arruamentos não terão muita diferença com as actuais ruas da Mabor ou do Tala-Hade.
Os seus jardins irão ser parecidos com o
capim da Mamana ou IEBA ou Village lá no Kikolo.
Se não
houver Autarquias os moradores do Kilamba vão continuar a escalar o 10º andar
ou o 11 º carregados no dorso um milhão de galões de água em bidons amarelos
porque não existe água canalizada que suba os prédios sem Luz elécrtica.
Se não
houver Autarquias em Angola, os autocarros da TCUL, TURA e MACON terão o monopólio
do mercado de transportes públicos angolanos que apenas terminam na zona C do
Kilamba deixando 99% de cidadãos a andar a pé ou procurar kupapatas e hiaces no Zamba I andando daquele kupapatas irresponsáveis
, Hiace barulhentos e húmidos a cheirar maconha.
Sem Autarquias
algumas zonas do Kilamba vão continuar sem redes da UNITEL e Movicel porque o monopólio
relaxa os empresários e deteriora a qualidade.
Se não
Houver autarquias, a abertura de um simples posto de Saúde na Cidade de Kilamba
dependerá do capricho do Conselho de Ministro quando deveria depender apenas do
órgão eleito localmente pelos cidadãos de Kilamba de quem ele deve obediência e
responsabilidade sob pena de o destituir na eleição seguinte ou num referendo.
Sem autarquias
as estradas continuarão poeirentas, esburacadas e de noite escuras quando pela concorrência
governativa local, os autarcas sem burocracia e com amor puro e paixão
abençoada pelo olhar do cidadão local avido de ser bem governado, haveria
beleza, felicidade, orgulho e transparência.
Eu pelo
menos sou a favor da Autogovernarão dos cidadãos municipais para conseguirem este
desenvolvimento e progresso angolano ainda refém da burocracia centralista. Na base
do nosso pacifismo anómalo vamos aguardar na última vinda de Jesus Cristo para
sermos felizes.
A felicidade
do povo não deve depender dos botões do poder central. Deve se descentralizar e
promover autarquias realmente efectivas para o povo sorrir e se orgulhar de si
mesmo. Autarquias limpas seriam a melhor vitória de o povo retirar do seu
pescoço a bota do centralismo sufocante.
Luanda, 08
de Agosto de 2014
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